Leminskiar
O austríaco Sigmund Freud, a personalidade mais influente no campo da Psicologia e pai da Psicanálise, tornou-se adjetivo e substantivo em dicionários de todo o mundo. Nicolau Maquiavel, cientista político e escritor do clássico O Príncipe, no sentido denotativo é sinônimo da negação de toda lei moral e de uma conduta desleal. Pelé foi eternizado na Língua Portuguesa e virou verbete, sendo sinônimo de “que e aquele que é fora do comum”.
Assim como Caetanear refere-se a alguma inovação na área musical, Paulo Leminski, expoente da poesia brasileira, não é encontrado em glossários, mas poderia ser um verbo: Leminskiar, sinônimo de exercer algo de maneira extraordinária, ser um autêntico inquieto cultural.
Para apresentar ao público de Curitiba quem foi Leminski, sua obra, poética, influências e as diversas linguagens que dominava, o Sesc PR convidou os escritores Toninho Vaz e Ernani Buchmann, amigos que presenciaram toda essa genialidade e inquietação, para um bate-papo com alunos, leitores e admiradores do “Cachorro Louco”, em junho, no Teatro do Sesc da Esquina.
INTENSO
Apesar de sua morte precoce aos 44 anos, Leminski viveu intensamente a vida que ele disse “ser uma viagem, pena eu estar só de passagem”. Falava fluentemente oito idiomas, foi faixa preta e professor de judô, dominava diversas linguagens, foi jornalista, publicitário, tradutor, poeta, músico, compositor, boêmio, transgressor e autêntico. “Fui aluno do Leminski, me tornei amigo dele. Leminski não era uma pessoa, era uma usina. Vivia 24 horas por dia criando, tendo ideias, escrevendo poemas, fazendo músicas e discutindo. Tudo ao mesmo tempo, agora”, destacou Buchmann.
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Toninho Vaz e Ernani Buchmann | Crédito imagem: Ivo Lima |
Toninho, biógrafo de Leminski, contou que foi a pedido de Alice Ruiz, viúva do poeta, que surgiu a ideia de escrever o livro O Bandido Que Sabia Latim, lançado em 2001. “Moro no Rio desde os anos 1970 e, em um Natal, em 1998, a Alice foi passar conosco. Eu e ela saímos para dar um passeio pelo centro cultural do Rio de Janeiro, eu digo, botequins, um atrás do outro, mas todos com cultura carioca. Sentamos em um deles, ela olhou e me disse que iria fazer dez anos que o Polaco havia morrido e que alguém tinha que escrever aquela história. Eu na hora entendi”, contou Toninho.
Vaz pontuou no livro que o Polaco era especial e cativante. “Tinha algo de especial, algo de magnético, algo fora do comum, algo de louco. Sua profunda erudição e modernidade o transformaram em um intelectual peculiar, brilhante e eloquente – um especialista em generalidades”.
MUSICAL
Entre as tantas linguagens que dominava, a musical estava entre elas. Leminski não era, segundo Toninho, um instrumentista importante ou mesmo “um virtuose em seus instrumentos”, mas compôs inúmeras canções que foram interpretadas por Caetano Veloso, Guilherme Arantes, Paulinho Boca de Cantor, Zélia Duncan, Blindagem, Moraes Moreira, Arnaldo Antunes e Ivo Rodrigues, mas foi quando Angela Maria gravou uma música que ele escreveu para ela, disse ter alcançado a glória.
Buchmann apresentou ao público algumas das canções compostas por Leminski e salientou que “nos anos 1980, a Rede Globo passou a investir no público infantil. Já havia o Show da Xuxa, mas a emissora queria mais. Foi quando entraram em cena os musicais infantis. Em um deles, Leminski e Guilherme Arantes foram contratados para trabalhar juntos. Dessa improvável parceria saiu um clássico dos musicais infantis, o sucesso Xixi nas Estrelas”, relembrou.
LIVRO
Quando a quarta edição do livro estava prestes a ser lançada, a família do biografado proibiu a publicação. Foi uma longa década de disputa judicial até que, em 2022, Toninho relançou a obra e incluiu o epílogo “A História de Lucky Leminski, o Neto”, onde conta a história do filho “desconhecido” de Leminski, além de fotos, rascunhos e textos inacabados.
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Auditório lotado para acompanhar o bate-papo | Crédito imagem: Ivo Lima |
Os dois amigos contaram ainda sobre a passagem de Leminski no monastério, a morte do irmão Pedro e do filho Miguel, a passagem dele pelo Solar da Fossa, no Rio de Janeiro, os casamentos, a cirrose hepática que matou o escritor e até sobre o enterro dele.
Leminski morreu em 7 de junho de 1989, há mais de três décadas mas continua atual, constantemente revisitado, apresentado a diferentes gerações e leminskiando leitores.
Revista Fecomércio PR - nº 154
Texto: Silvia Bocchese de Lima
Fotos: Ivo Lima
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