Prazer, Enedina

A paranaense Enedina Alves Marques rompeu barreiras ao se tornar a primeira negra engenheira no estado e no Brasil




Ela desafiou padrões sociais e acadêmicos. Em plena década de 1940, em uma Curitiba de pouco mais de 145 mil habitantes, Enedina Alves Marques ingressou no curso superior de Engenharia, na Faculdade de Engenharia do Paraná. Negra, filha de pais pobres, separados e mãe lavadeira, Enedina entrou para a história ao se tornar a primeira mulher negra no Brasil a se formar em Engenharia e a primeira mulher a obter esta certificação no Paraná.


Enedina Alves Marques


Nascida em janeiro de 1913, a caçula Enedina foi a única filha mulher do casal Paulo e Virgínia, pais de outras cinco crianças. Ainda na tenra infância e com os pais separados, acompanhou a mãe e os irmãos que foram morar e trabalhar na casa da família Nascimento. 

Ana Crhistina Vanali, uma das organizadoras do livro Os Nomes da Placa: A História e as histórias do monumento à Colônia Afro-brasileira de Curitiba, a ser lançado pelo Sesc PR, destaca que a residência pertencia ao major e delegado Domingos Nascimento Sobrinho, um incentivador dos estudos de Enedina. “Ela foi alfabetizada por volta dos 12 anos de idade na escola particular da professora Luiza Netto Correia de Freitas. Entre os anos de 1926 e 1932, fez o curso da Escola Normal Secundária juntamente com Isabel, a filha do major. Ele lhe pagou o bonde durante a formação como normalista para que fizesse companhia à filha”. Ana Crhistina ainda revela que Nascimento faleceu em 1958, e Enedina foi uma das beneficiárias em seu testamento.


Vida acadêmica

Depois da alfabetização, ela buscou constantemente a qualificação e não parou de estudar. Logo após se formar Normalista, começou sua carreira como professora da rede pública de ensino. O jornal Correio do Paraná, de 16 de junho de 1932, citava o decreto de nomeação de Enedina para “reger uma das cadeiras do Grupo Escolar da cidade de São Mateus”.

Ana Crhistina também informa que Enedina foi professora nos grupos escolares de Cerro Azul, e no Barão de Antonina, em Rio Negro, e na Escola Isolada do Passaúna, em Campo Largo. “Em 1935, retornou a Curitiba, e foi trabalhar na Escola da Linha de Tiro do Juvevê. Seu regresso à capital ocorreu para realizar o Curso de Madureza, exigência da nova legislação”, pontua a organizadora, explicando que esta era uma nova determinação da lei vigente, para capacitar, durante três anos, profissionais para exercerem a função de professor. Ela também foi proprietária de uma escola particular, cuja sede era localizada no Bairro Juvevê, na capital paranaense. 

Foi o gosto pelas ciências exatas que fez com que a então professora primária optasse pelo curso de Engenharia, mas antes de ingressar no curso superior frequentou, nos anos de 1938 e 1939, o primeiro curso de pré-engenharia, uma espécie de pré-vestibular. Dos 100 alunos inscritos no primeiro ano, apenas duas mulheres. Em 1939, das duas, somente Enedina retornou ao preparatório. Neste período, intercalava os trabalhos diários como professora e doméstica e o curso preparatório à noite.  

O jornal Diário do Paraná, de 15 de dezembro de 1945, trazia a notícia da colação de grau e a relação dos formandos em Engenharia pela Faculdade de Engenharia do Paraná. Dos 33 formandos, a única mulher era Enedina, na época com 32 anos. 


Profissional

Após a formatura, a engenheira passou a trabalhar na Secretaria de Viação e Obras Públicas do Paraná e permaneceu no órgão até a aposentadoria, em 1962. 


Turma de Normalistas de Enedina


O presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, Joel Krüger, enfatiza que Enedina participou de importantes obras no estado do Paraná, como o levantamento topográfico da Usina Capivari-Cachoeira (atual Usina Governador Pedro Viriato Parigot de Souza) – a maior central hidrelétrica subterrânea do sul do país –, trabalhou no Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica e participou da elaboração do Plano Hidrelétrico do Paraná. “À frente do seu tempo, atuou no aproveitamento das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu, considerado um de seus maiores feitos como engenheira. Seu reconhecimento profissional foi conquistado aos poucos. Com competência liderou funcionários, técnicos e engenheiros, além de gerenciar grandes obras e trabalhos burocráticos. Se em vida conquistou respeito de seus pares, esta pioneira da engenharia brasileira merece ser reverenciada e sempre lembrada, seja emprestando seu nome a uma rua do bairro Cajuru, em Curitiba, ou ao Instituto de Mulheres Negras Enedina Alves Marques”, ressalta Krüger.



Homenagens

Em dezembro de 2019, o deputado estadual Jorge Gomes de Oliveira Brand, o Goura, apresentou o projeto de Lei nº 973, nominando o trecho da rodovia PR-340, entre Cacatu e a Cachoeira de Cima, no município de Antonina, como “Rodovia Engenheira Enedina Alves Marques”. Em julho de 2020, o projeto foi aprovado em segunda discussão e segue para sansão do governador. No texto da justificativa, Goura salienta que Enedina “foi uma pioneira, uma mulher que estabeleceu novos paradigmas e esteve à frente do seu tempo. Não aceitou os padrões sociais injustos e provincianos de sua época. Sonhou e ousou muito”, diz o documento.

O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (CREA-PR), Ricardo Rocha de Oliveira, lembra que desde 2006 o nome da engenheira está gravado no Livro do Mérito do Sistema Confea/CREA, em homenagem realizada durante a 63ª Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia. “Sua memória é lembrada em todo o estado e no país, também como membro da Associação Brasileira de Engenheiros e Arquitetos do Brasil e do Instituto de Engenharia do Paraná”, enaltece Oliveira.

Enedina faleceu em Curitiba, aos 68 anos de idade, em agosto de 1981.



Texto: Silvia Bocchese de Lima

Imagens: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Revista Fecomércio PR - nº 137



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