Caipira pirapora

Genuinamente brasileira, a música caipira nasceu em solo nacional. Ela é, talvez, a maior representação cultural de traços característicos e peculiares da identidade do povo brasileiro. É miscigenada, resultado da mistura da música indígena, com a europeia e a africana. “Quando da vinda dos portugueses, em 1500, foram trazidas nas caravelas as violas europeias. Aqui, padres
jesuítas viram a possibilidade de utilizar a viola e a música para catequizar os índios, surgindo o cururu e o cateretê, ritmos exclusivos da música caipira. Com os africanos, foram adicionados os ritmos, os batuques e cantos dolentes. A nossa música caipira foi tomando o formato que vemos hoje”, conta o pesquisador e radialista Maikel Monteiro.
Quando Leonardo Boff escreveu Depois de 500 anos: que Brasil queremos? ele declarou que o brasileiro é “um povo religioso e mítico, o que equivale dizer, um povo de grandes sonhos, esperanças inarredáveis e utopias generosas, um povo que se sente tão acompanhado pela bênção
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Nhô Belarmino e Nhá Gabriela |
O povo brasileiro é caracterizado, por sociólogos de diversas origens, pela cordialidade, amabilidade e sinceridade, tanto que José Penna, em Em Berço Esplêndido – Ensaios de Psicologia Coletiva Brasileira, pontuou estas qualidades como a “segunda natureza” do brasileiro e que a “nossa cordialidade é um dos frutos típicos, talvez o mais elegante da cultura do sentimento. O brasileiro é um povo do abraço apertado, das saudações cordiais, das palmadinhas nas costas. Também
dos beijos de Judas”. Na música caipira, estes elementos constitutivos da identidade nacional são inúmeros como no trecho “a tua saudade corta como aço de navaia. O coração fica aflito bate uma, a outra faia. Os zóios se enche d´água que até a vista se atrapaia”, letra de Cuitelinho, de Antônio Xando e Paulo Vanzolini. “Acredito, em absoluto, que a música caipira retrata totalmente a identidade do povo brasileiro, pois é nascida aqui, é a mistura dos três povos originais. Toca diretamente o coração, é para ser sentida. Não se fica alheio a ela. É a música que se busca na hora de

Os primeiros registros
Apesar de tão antiga quanto a chegada dos portugueses em solo nacional, a música caipira só foi registrada fonograficamente em outubro de 1929, há 90 anos. Monteiro conta que, graças ao escritor
e folclorista Cornélio Pires, foram registrados em disco as modas de viola que ouvia no interior
paulista e do Brasil. “Ele foi até a gravadora Colúmbia, uma empresa norte-americana sediada no Brasil e, com recursos próprios, bancou as primeiras gravações em disco, como o nome de Turma Caipira de Cornélio Pires. A primeira moda de viola registrada foi Jorginho do Sertão, com versos de Cornélio Pires”, destaca o pesquisador.
No Paraná, a dupla Nhô Belarmino e Nhá Gabriela, nome artístico do casal paranaense Salvador

por volta de 1946 – quando o Paraná estava em franco desenvolvimento em virtude do ciclo do
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Oswaldo Rios, apresentador do Festival de Música de Raiz |
do estado. “Sou filho do norte do meu Paraná, nascido e criado lá em Cambará. Lugar de riqueza, miséria não há. Quem quisé dinheiro é só trabaiá. O paranaense do sul ou do norte é bem sacudido, é rijo e é forte, enfrenta o perigo zombando da morte, cortando madeira ou fazendo transporte”, traz a letra de Paraná do Norte, de Palmeira, gravada por Palmeira e Luizinho.
Preconceito

continuou limitada a programas de rádio AM apenas e nas faixas de madrugada, fora de horários chamados nobres”, avalia Monteiro.
Apesar de ter sido de grande importância para a música caipira, o pesquisador acredita que desde
1929, o gênero permanece pela fidelidade do público, que se renova e a mantém viva.
Festival de Música de Raiz
Entre 256 músicas inscritas por meio de edital, 24 canções e 11 músicos foram selecionados para

realizado no Teatro do Sesc da Esquina, em Curitiba, no início de agosto. Além dos selecionados, o
público pôde acompanhar as participações especiais de Ricardo Denchuski e banda e do grupo
Viola Quebrada.
O festival faz parte do projeto Sesc Regionalidades que reconhece, incentiva e valoriza a diversidade
e a produção cultural do Paraná. Repletas de elementos do campo e da natureza, mostrando os afazeres e trabalhos da vida rural, consciência ambiental, saudosismo, simplicidade e inocência, as canções retrataram a identidade cultural do homem caipira.
Tiago Fernandes Martins, um dos músicos selecionados, embora mineiro, escolheu o Norte do Paraná
para viver e expressa alegria em participar do festival. “É uma emoção enorme ter feito parte desse evento. Nunca vou me esquecer desse momento e que a música sertaneja, a música de raiz, continue alcançando o coração de todo mundo, porque todo mundo é um pouquinho caipira também. Que a gente nunca perca essa essência”.
Oswaldo Rios, integrante do Viola Quebrada, apresentador do evento, destacou que com o festival o Sesc PR desenvolve um importante trabalho de valorizar o músico popular e o instrumento que chegou com as caravelas portuguesas, esteve presente na primeira missa celebrada no Brasil e foi sendo inserida nas músicas de trabalho: a viola. “As músicas aqui apresentadas são as do homem do interior do Brasil e o interior é muito maior do que o litoral”, pontua Rios.
A simplicidade do homem do campo está presente nas letras das músicas de Sereninho, que se apresentou ao lado de Sueli. O compositor traz nas canções a sua própria história, o abandono do pai aos três anos de idade, a perda da propriedade, a saída do campo e a chegada a Ponta Grossa, cidade que escolheu morar e que o adotou. “Eu escrevo as letras que tocam meu coração”, confessa.
Um poeta e um violão
Uma semana antes do início do Festival de Música de Raiz, dia 25 de julho, o Teatro do Sesc da Esquina recebeu, com bilheteria esgotada e plateia lotada, o músico Renato Teixeira, que apresentou o show Um poeta e um violão. Acompanhado por Natan Marques (violão e voz) e Márcio Gonçalves
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Renato Teixeira |
Tocando em Frente, além de inúmeros causos. O músico enfatizou que existe uma vertente que procura construir uma nova leitura para a música caipira. “Precisamos continuar e reinventar esse gênero musical para que ele possa se adequar novamente aos novos brasileiros e que possam usufruir desse grande talento brasileiro. Eu sou de Taubaté, mas somos todos caipiras, assim como Tarsila do Amaral é caipira, como Monteiro Lobato, Guimarães Rosa e Mazzaropi. No meu sangue tem todos os povos da terra”, acredita Teixeira.
Com a realização do festival, Renato Teixeira salienta que o Sesc PR reconhece e enaltece a música caipira e ressalta a importância do trabalho que a instituição promove em todo o país. “É sempre um prazer enorme tocar no Sesc, toco em todos eles espalhados pelo Brasil. É uma instituição que respeita a música e os artistas brasileiros. Tenho muita honra em tocar nesses lugares tão adequados,
tão bons de se fazer música. O Sesc é o Ministério da Cultura do Brasil!”, conclui Renato Teixeira.
Texto: Silvia Bocchese de Lima
Fotos: Bruno Tadashi
Revista Fecomércio PR - nº 131
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