Zequinha: o doce sabor de infância

Criadas nos anos finais da década de 1920, as Balas Zequinha marcaram a infância, as brincadeiras e o ser curitibano.


Cantadas pelo samba-enredo da Embaixadores da Alegria – campeã no carnaval curitibano de 1992 –, citadas no conto Em Busca da Curitiba Perdida, de Dalton Trevisan, e recriadas em versos e desenhos por Valêncio Xavier e Poty Lazzarotto, em A Propósito de Figurinhas, as Balas Zequinha atravessaram gerações e fizeram parte do imaginário coletivo da capital paranaense por mais de 60 anos.

Criadas nos anos finais da década de 1920, pela fábrica A Brandina, dos Irmãos Sobania, as balas de açúcar, misturadas à essência de frutas e em formato quadrado, eram embaladas à mão, em figurinhas numeradas e que retratavam um personagem – o palhaço Zequinha –, em diferentes atividades, profissões, lugares e com as mais variadas emoções.

A patente das Balas Zequinha foi vendida, em 1940, para a empresa Irmãos Franceschi, que comercializou as balas até 1955, quando a J. Gabardo e Massocheto adquiriu a marca. A empresa fez a última tiragem das balas em 1967. Em dezembro de 1974, o jornal Gazeta do Povo trazia a notícia do retorno da marca, mas sem o entusiasmo das décadas anteriores. A matéria não informa qual empresa foi responsável por esta edição das balas. “Estão de volta as famosas ‘Balas Zequinha’, embora os banqueiros tenham apresentado pouco interesse, afirmando que ‘hoje em dia existem tantas outras coleções interessantes’, muita gente ainda procura o produto. Nos bairros, a tendência é voltar a ‘coqueluche’que nos anos 40 e 50 tomou conta da criançada”, trazia a matéria.

Em junho de 1976, o Estado do Paraná registrou o personagem no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Pouco tempo depois, o empresário Zigmundo Zavadski impetrou uma ação contra o Estado, alegando ser o criador e idealizador da figura do Zequinha. Segundo o INPI, em fevereiro de 2019 foi extinto o registro da marca por caducidade, que estava em nome de Experanza Administradora de Bens.


Onde tudo começou
Francisco Sobania, um dos proprietários da Irmãos Sobania, esteve em São Paulo, em 1928, quando conheceu as Balas Piolin – balas que traziam figurinhas colecionáveis. Ao retornar a Curitiba, encomendou à Impressora Paranaense, uma coleção inicial de 30 figurinhas coloridas para embalar as balas produzidas pela fábrica da família. A inspiração não poderia ser outra, o Palhaço Piolin – nome artístico de Abelardo Pinto que incorporou Piolin ao seu nome de batismo. Foi um dos mais famosos palhaços brasileiros, conhecido mundialmente e aclamado pelos modernistas. Em 1972, seu aniversário, comemorado em 27 de março, foi declarado oficialmente o Dia Nacional do Circo. Curiosamente, Piolin morreu em 1973, de insuficiência cardíaca, engasgado por uma bala.

No Paraná, as Zequinhas rapidamente ganharam a simpatia de crianças e  adultos. As imagens desenhadas em papéis no formato 5x7cm, pelo litógrafo Alberto Thiele, logo foram ampliadas até a de número 50. O sucesso das balas foi tamanho que elas chegaram a 100 e rapidamente a 200 figurinhas. Os desenhos com numeração de 51 a 200 são creditados a Paulo Roberto Rohrbach – criador dos brasões de armas do Paraná e de Curitiba.

As Zequinhas eram embaladas, inicialmente, com os desenhos à mostra, para desespero dos vendedores de balas; afinal, as crianças queriam os doces com numerações específicas, a fim de completar a coleção. Logo a fábrica providenciou a mudança, e a numeração só ficava visível ao ser desembrulhado o produto.

Apesar das primeiras coleções não terem álbuns para acondicionar as figurinhas, as crianças encontravam saídas criativas e colavam as numeradas em cadernos ou faziam uso de uma carteirinha formada por dois pedaços de papelão 8x6cm e três tiras de elástico ou cadarço com nove centímetros cada. A engenhoca permita que as figurinhas fossem mantidas sem serem amassadas e a “passá-las de um lado ao outro, miraculosamente, diante dos olhos embasbacados de quem não conhecia o truque”, contou Valêncio Xavier, em artigo publicado no jornal O Nicolau, em 1989.

Zequinha Faz-tudo
Em diferentes épocas, Zequinha foi retratado desempenhando inúmeras atribuições, de ferreiro a engenheiro, de dentista a astrônomo, de açougueiro a delegado. Foram tantas as funções que Zequinha tornou-se sinônimo de uma pessoa faz-tudo, aquela dedicada a vários ofícios.

Muitas figuras faziam referência a questões próprias dos períodos dos desenhos, a exemplo, as profissões desempenhadas e expressões faladas à época. Zequinha foi canhoneiro (armador de canhões), boxeur (boxeador), salsicheiro (vendedor de salsichas), escafandrista (mergulhador) e pirata (namorador). Mas o personagem também ocupou papéis e teve atitudes que certamente não seriam aceitos hoje, ainda mais para um produto direcionado às crianças. Zequinha passou por um período sombrio de sua história, esteve embriagado, foi gatuno, atropelado e raquítico, ficou louco, afogou-se, suicidou-se e foi encontrado enforcado.

Controverso ou não, Zequinha era unanimidade entre as crianças que buscavam completar a série de 200 figurinhas para trocar por bolas de futebol, bonecas, porta-níqueis e lanternas elétricas, entregues pelos fabricantes.

O comércio das balas foi revolucionário entre as crianças, promovendo encontros para troca de figuras e disputas em jogos de Bafo e Tique. “O jogo de Bafo consistia em que cada adversário colocasse as figurinhas com a face dos desenhos voltadas para o chão: quem, batendo com a palma da mão nas figurinhas, conseguisse desvirá-las, ganhava-as. (... ) O jogo de Tique consistia em ‘casar’ as figurinhas perto de um muro, ou parede. Jogava-se moedas, ou chapinhas de ferro na parede, onde batiam e vinham ao chão. A que chegasse mais perto das figurinhas do adversário, ganhava-as”, explicou Xavier, no Boletim Informativo da Casa Romário Martins.

A marca e a concorrência
Zequinha não reinou absoluto entre as crianças das décadas de 1920 a 1950. Embora alguns periódicos tragam a informação de que a produção diária das Zequinhas era de 1.200 quilos, ou seja, 360 mil balas, Xavier destacou que as Balas Chico Fumaça, desenhadas por Alceu Chichorro, também encontraram na disputa pelo público, mas não foram tão bem aceitas.

De acordo com levantamento de Xavier, as Balas Bandeirinhas (com figurinhas de bandeiras de vários países), as Caramelo Aéreo-Lloyd (figurinhas que coladas em ordem, em uma folha de cartolina, formavam o desenho de um avião) e as Pastilhas Zoológicas (figuras com animais desenhados) encontraram relativo sucesso nos anos 1930.

ICM das Crianças
As práticas questionáveis de Zequinha não foram reproduzidas em 1979, quando o governo do estado, comandado pelo então governador Ney Braga, criou um campanha visando a ampliação da arrecadação do Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM) por meio da emissão de notas fiscais e comprovantes de vendas. Na campanha, agora sem as balas, mas com desenhos de Nilson Müller, Zequinha foi representado remodelado e com novos traços: um típico cidadão comum, politicamente
correto em seus atos e práticas, visitava o Paraná, as obras e os órgãos públicos. Entretanto, a grande gola, a gravata borboleta, a maquiagem e os sapatos de palhaço foram mantidos.

A campanha do governo foi tão bem sucedida que, em três etapas da campanha, realizadas durante um ano inteiro, “houve a maior arrecadação de ICM dos últimos sete anos”, trazia matéria publicada no jornal Diário do Paraná, em fevereiro de 1981. Em 14 meses de campanha, foram emitidos Cr$ 53 bilhões em notas fiscais, arrecadação de Cr$ 37,9 bilhões em impostos, distribuídos 196 mil prêmios em todo o estado e impressas algo em torno de 206,7 milhões de figurinhas.

Para concorrer aos prêmios distribuídos pelo governo era necessário completar o álbum de 200 figurinhas. A cada mil cruzeiros em notas fiscais, as crianças trocavam por um álbum e uma carteirinha de sócio do Clube do Zequinha ou por um envelope com 20 figurinhas.

No decorrer da campanha, as regras foram alteradas. Algumas figurinhas eram consideradas difíceis de serem encontradas, com a de número 10, que trazia Zequinha Músico. A disputa por esse número era tamanha que o jornal Diário do Paraná, de novembro de 1979, trouxe a seguinte nota: “Aconteceu dias atrás: o cidadão teve o carro arrombado por um ladrão, que levou sua carteira com dinheiro e diversos documentos. O ladrão pegou o dinheiro e jogou a carteira fora. Uma senhora encontrou e, entre os documentos, descobriu algo raro: a figurinha nº 10 do ‘Zequinha Músico’. Telefonou para a vítima, avisando que encontrara seus documentos, mas que só entregaria com a condição: se a recompensa fosse a figurinha nº10. O cidadão, é claro, aceitou a proposta”.

A febre para completar a coleção, a procura pelas figurinhas, as filas formadas para troca das notas fiscais foram tamanhas, que até bancos privados passaram a ser pontos de troca.

Poty e Xavier
Valêncio Xavier foi um expert quando se tratava de Balas Zequinha. Ele escreveu diversos artigos, em inúmeros jornais e boletins e, com Poty Lazzarotto, desenvolveu o livro A Propósito de Figurinhas.

A obra, publicada em 1986 pelo Studio e Krieger, fazia uma releitura de 30 figurinhas das Balas Zequinha, os desenhos ficaram a cargo de Poty e Valêncio foi responsável pela produção de textos relacionados às imagens.

Controverso ou não, Zequinha foi um sucesso entre as mais diversas gerações que tiveram contato com ele e, como disse Xavier, em entrevista ao Correio de Notícias, de 1989, “Não existe nada mais curitibano que Dalton Trevisan e a Bala Zequinha”.


Materiais e acervos consultados:
- Casa da Memória de Curitiba
- Casa Gomm - Coordenação do Patrimônio Cultural do Paraná
- Instituto Nacional de Propriedade Industrial
- Museu Paranaense
- Gibiteca de Curitiba
- Boletim Informativo da Casa Romário Martins: Desembrulhando as Balas Zequinha, de agosto de 1974.
- Jornal Correio de Notícias, de 1980 e 1989
- Jornal Diário do Paraná, de 1981
- Jornal Gazeta do Povo, de 1974
- Jornal O Nicolau, de 1989
- Livro A Propósito de Figurinhas, de Valêncio Xavier e Poty Lazzarotto
- Site da Prefeitura de São Paulo - Secretaria da Cultura - Artigo Piolin







Texto: Silvia Bocchese de Lima
Revista Fecomércio PR - nº 135

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