Antena da sociedade
Marcia Tiburi |
Vive-se uma profusão de textos impressos e eletrônicos. A atualidade é marcada pela oferta infinita de informações. Os meios de comunicação reproduzem, em escala industrial, as crenças, a ideologia, os mitos, os rituais e a cultura dos povos, sendo muitas vezes responsáveis por sua difusão, uniformização e manipulação.
O ser humano tem como necessidade própria a busca por traços de sua identidade e o reconhecimento ocorre no momento em que ele aprende a se diferenciar dos demais.
Para falar sobre a abundância de texto, a extrema necessidade de exposição de ideais e opiniões nas redes sociais, a 35ª Semana Literária Sesc PR e XIV Feira do Livro Editora UFPR, em Curitiba, recebe a doutora em filosofia e escritora Marcia Tiburi.
Para a escritora, a literatura é uma espécie de máquina de produzir e reproduzir visões de mundo e, o escritor, uma antena da sociedade onde vive.
Confira a entrevista com Marcia Tiburi:
As pessoas estão falando e escrevendo como nunca e esta facilidade em tornar público ideias, veio com as redes sociais. Por que esta extrema necessidade em expor opiniões? Há algum conteúdo em tanta produção?
A meu ver, podemos analisar isso pensando na história da escrita. A escrita sempre foi uma ferramenta e usá-la implica poder. Sabemos que a história do poder, do autoritarismo e da democracia está intimamente ligada à escrita, à leitura e à possibilidade de fazer uso desses meios. Hoje é maravilhoso que muita gente escreva, que as pessoas escrevam cada vez mais. O problema que pode existir é a compulsão a escrever por escrever. Por um lado isso afeta quem escreve, como se fôssemos obrigados a nos colocar no mundo por meio da expressão escrita nas redes. Por outro, afeta-se também o outro, como se aquilo que se diz, a forma e o conteúdo, não tivesse maiores consequências. Portanto, além da compulsão a emitir opiniões, muitas vezes vazias e nem sempre sustentáveis, há o uso abusivo, a linguagem usada de modo violento contra os outros.
Existe e vem sendo reproduzido de maneira rápida nas redes sociais, o discurso do ódio. Esse discurso está ligado ao sistema educacional, à falta dele ou às diferenças de classes sociais?
Há toda uma questão social, cultural, educacional, e necessariamente uma política por trás disso tudo. Essa política faz uso desse discurso. O ódio é um afeto, um sentimento, uma emoção, e precisamos saber que os afetos são manipulados politicamente. Isso é o que se faz com as massas. É a função política que a televisão exerce às escuras sobre as pessoas. Isso todos deveriam saber, pois de algum modo fazem parte das massas.
Na literatura, encontra-se uma variedade de discursos que consolidam ou criam uma identidade nacional?
Certamente, desde a Ilíada e a Odisseia, a literatura é uma espécie de máquina de produzir e reproduzir visões de mundo. Como instituição, a literatura é tão conservadora quando revolucionária. Depende do sujeito que a toma para si como uma prática, se ele está ou não de acordo com o status quo. A literatura é atravessada pela sociedade tal como ela se apresenta em seus conflitos e desejos no tempo em que a literatura é feita. O escritor é uma antena da sociedade onde vive.
Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, listaram características constitutivas do povo brasileiro em suas obras: a sensualidade, cordialidade, povo trabalhador, malandro, festeiro, mestiço, entre outros. Essa classificação restringe, caracteriza, estereotipa ou abre espaço para outras leituras?
Eles interpretaram e, de certo modo, glamurizaram o Brasil, o que serviu para encantar os ouvidos de muitos, mas também para acobertar questões mais difíceis de encarar. Às vezes, suas interpretações parecem fazer sentido, outras nem tanto. Nenhum deles, por exemplo, discutiu com vigor a questão da desigualdade social, da desigualdade de classes. Quando essa questão aparecia, ela vinha mascarada. Outro problema, nenhum deles era capaz de pensar a partir de uma crítica à desigualdade de gênero. Ou seja, eram intérpretes condenados aos interesses de seu gênero e de sua ideologia. São homens de seu tempo, intérpretes de uma época que falavam de dentro dela. Muito do que disseram ainda está no imaginário da análise – científica ou popular – hoje em dia, mas já não atendem ao que precisamos pensar hoje.
O universo feminino, a mulher e sua representatividade estão em constantes mudanças. Quando falamos em literatura, principalmente da brasileira, é possível identificarmos estas mudanças de comportamento histórico-sociais?
De fato, o domínio dos meios de produção cultural sempre esteve na mão das elites masculinas e brancas. Dia após dia, mais mulheres passam a escrever, assim como ocorre em outras esferas da atividade cultural e artística. Há mais cineastas e escritoras do que nunca, Outros gêneros e sexualidades também passam a fazer parte do campo literário. O novo é que há uma consciência da condição de gênero que chama a cada um. Isso quer dizer que o gênero não é mais naturalizado como antes. Essa novidade em termos de presença e produção democratiza a literatura que nunca deveria ter ficado na mão de poucos. O que me parece inexorável é que não há como voltar atrás. A literatura, bem como as outras artes, serão cada vez mais políticas.
Por: Silvia Bocchese de Lima e Andressa Parra
Crédito Imagem: Simone Marinho
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