O existir pela palavra
Miguel Sanches Neto é um dos convidados da 35ª
Semana Literária Sesc PR e XIV Feira do Livro Editora UFPR. Com Márcia Tiburi,
participa da mesa-redonda “Vamos falar de quê?”, mediada por Rogério Pereira,
na terça-feira (13), às 19h30.
Ele acabou de lançar o romance histórico A Bíblia do Che, coleciona
reconhecimento internacional e é um autores mais representativos da nova
literatura brasileira.
Miguel conversou com nossa equipe sobre sua
obra, a cultura brasileira e a paranaense e sobre sua participação na Semana
Literária.
Miguel Sanches Neto (Crédito: Divulgação) |
Confira a entrevista.
Em
Linhas Órfãs, você diz que “Escrever é uma forma de nos informarmos sobre nós
mesmos”. Como você se encontra em suas obras e como encontrar e se informar
sobre o Brasil e a identidade nacional nelas?
Um romance nos localiza, pela linguagem, em determinados
grupos sociais, em determinada visão de país. Minha literatura de ficção é uma
forma de apreender meu país como linguagem. Antes de ser um tema, o Brasil
entra em meus livros pela adesão a um discurso conjugado de forma aberta, que
possa ser compreensível por um maior número de pessoas. Só depois ele trata de
episódios da vida social e política do país. Qualquer livro autenticamente
literário que se leia tem uma informação identitária implícita na própria
linguagem. Adicionalmente, podemos nos informar sobre episódios, valores e
tensões do país.
É
sua a frase: “Uma história nunca acaba. O autor está sempre escrevendo continuações
e, mesmo quando ele morre, outros escritores vão levar adiante a obra, que é
eterna na medida em que nunca é concluída”. A obra de Miguel Sanches Neto
é continuação de que obra e qual obra você gostaria que fosse a continuação da
sua?
Eu pertenço a uma linhagem de escritores que vem, na
tradição nacional, de Memórias de um Sargento
de Milícias, passa por O Ateneu,
por Recordações do escrivão Isaías
Caminha, por Fogo Morto, por Vidas Secas, por Lavoura Arcaica, por A Grande
Arte – entre tantos outros títulos. Na literatura internacional, meus
livros se ligam a um ramo que tem autores como Tchekhov, Hemingway, Cortázar,
Isaac Bashevis Singer, Philip Roth, Raymond Carver, Roberto Bolaño, e por aí
vai. Não sei se ela será continuada por
outros, se terá impacto sobre outros autores, mas espero que possa ao menos
ajudar a incluir na literatura pessoas que vêm de tradições não letradas.
Em entrevista
você fez a seguinte declaração: “Eu só existo quando vertido em palavras, eu só
existo quando eu posso transformar a minha experiência vivida em experiência
escrita”. Partindo dessa informação, você considera suas obras como
autobiográficas?
Há livros nesta categoria e outros em outras, como o romance
histórico, o romance policial, tal como o livro que lanço agora, A Bíblia do Che – Companhia das Letras,
2016. Mas minha linguagem, a maneira que eu a uso, isto é algo meu. Todos os
livros são, do ponto de vista do idioma literário, representações de um menino
que veio do meio rural e que entende as palavras como formas de existir, como
maneira de ter alguma presença real no mundo. Assim, os temas e episódios podem
ser ou não ser autobiográficos, mas a linguagem será sempre aquela em que fui
amamentado, aquela que usei nos momentos de paixão, aquela que adquiri nos
livros que amei e continuo amando.
A presença do
Paraná é muito forte em sua obra. Você acredita que por meio dela é possível
encontrar uma identidade literária/social paranaense?
O Paraná é minha circunstância. É a partir dele que formatei
minha sensibilidade para o mundo, foi aqui que conjuguei as leituras universais.
Ele não é uma paisagem apenas. É uma maneira de ser. Mesmo escrevendo sobre
outros espaços, tal como faço em A
máquina de madeira (cuja segunda edição saiu em 2015, pela Companhia das
Letras), sou um escritor do Paraná. Mas o Paraná que persigo é uma metonímia do
Brasil, uma metonímia do contemporâneo. Ou seja, não quero representar
socialmente o meu estado, mas habitar o mundo a partir dele.
Muitos de seus
contos são roteiros para curta-metragem. Você acredita que essa parceria
literatura/cinema tem hoje o papel formador do novo leitor brasileiro?
Esta força de uma estrutura cinematográfica ou
televisiva em meus contos tem uma razão de ser. Fui introduzido no mundo das
narrativas pelas histórias contadas por gente antiga de minha família e depois
pela televisão, principalmente pelas séries americanas, mas não só. O Sítio do Pica-pau Amarelo para mim,
por exemplo, foi antes uma série de tevê e só depois os livros de Monteiro
Lobato. A partir deste legado construí minha trajetória de leitor. Isso é muito
forte, embora hoje eu veja pouco cinema e menos ainda tevê. Mas ficou este
formato mental. Com isso, acho que denuncio a minha aprovação a esta
contiguidade entre literatura e cinema. Em países com pouca tradição de
leitura, muitas pessoas têm um contato com ela apenas pelos meios audiovisuais.
No
que diz respeito à literatura na universidade brasileira, podemos encontrar
espaço para criação literária?
A criação literária,
quando nascida de uma vocação autêntica, e manifesta em um indivíduo com um
mínimo de energia, encontra espaço em qualquer lugar, mesmo em uma universidade
que a transforma em disciplina que deve ser ensinada. Acredito que precisamos
de mais escritores lecionando literatura na universidade, contaminando os
alunos com a força de uma vocação que não se curva a nada. Os escritores serão
os últimos críticos literários para quem um livro de literatura é uma coisa
central.
A
temática de abertura da Semana Literária do Sesc PR trata da variedade de
manifestações culturais no Brasil e seus contrastes. O que o público pode
esperar da sua participação?
Pode esperar pontos de vista, reflexões, descrição de
experiências de um autor que sempre viveu e escreveu na periferia, à margem da
vida literária, e que insiste em manter uma distância saudável dos centros do
campo de poder. Ler e escrever ignorando os templos e seus vendilhões, eis o
meu projeto. Este olhar deslocado talvez tenha alguma originalidade em uma
época em que houve uma integração de linguagens, ideias e trajetórias.
Por: Silvia Bocchese de Lima e Andressa Parra
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