De Gabriela a Zé Pequeno
O projeto literário do
Sesc Paraná, Autores & Ideias, chega à sua terceira edição, e traz ao
debate, a literatura como um registro possível das reinvenções da sociedade. Serão
quatro etapas, com ciclo de autores e palestras, percorrendo Curitiba e o interior
do estado
Nunca o Brasil foi tão consumido.
Com o fortalecimento da economia brasileira, o mercado externo mudou o seu
olhar para o país tropical. O verde e amarelo estão na moda. Embora o interesse
pelo país tenha crescido, a procura pela cultura nacional não tem acompanhado
este ritmo e a língua portuguesa continua sendo uma das mais faladas no mundo e
muito pouco lida.
A literatura nacional, recheada de
elementos exóticos e constitutivos da nacionalidade brasileira, como o mito das
três raças formadoras (o negro, o índio e o branco); a malandragem brasileira,
a religiosidade, o povo trabalhador, cordial, festeiro e, extremamente sensual,
ainda chamam a atenção de leitores no mundo todo, mas busca-se, cada vez mais,
um novo exótico, encontrado nas produções que apresentam a violência como pano
de fundo.
Robert White, em seu artigo
“Televisão, como Mito e Ritual”, destaca que toda a nação e cultura encontram,
continuamente, maneiras de recontar suas lendas, seus mitos. O ser humano tem
como necessidade própria, a busca por traços de sua identidade e o mesmo ocorre
com o brasileiro na procura por identificar riscos ou rabiscos de seu caráter
nacional. Quando se fala em identidade, discorre-se também de realidade social.
E pra discutir a literatura e a maneira como
ela se torna um registro das reinvenções do povo brasileiro, o Sesc Paraná
promove, pelo terceiro ano, o ciclo literário “Autores & Ideias”. Em quatro
etapas, serão debatidos temas do cotidiano e que apresentam a literatura como
cenário e narrativa das conversas. Esta também é a primeira vez que o projeto proporciona
a educadores e profissionais que trabalham com a leitura e literatura, palestras
formativas. “A ideia é falar um pouco sobre como a literatura de língua
portuguesa é recebida para além das fronteiras, qual a nossa identidade
literária ou pelo menos que elementos clássicos a identificam lá fora. O
conceito de reinvenção passa também pelas novas formas e estéticas literárias,
até para que a literatura ganhe mais audiência junto ao público infantil e
juvenil. Para isso teremos no ciclo duas mesas abordando o assunto”, relata o
idealizador e coordenador técnico do projeto, da Divisão de Educação e Cultura
do Sesc Paraná, Márcio
Norberto.
Além disso, Norberto pontua que o
ciclo tem, entre outras, uma importância fundamental, mas vale destacar a que
promove a aproximação entre dois atores: escritor e público.
Os primeiros encontros foram
realizados nas cidades de Ponta Grossa, Guarapuava e Curitiba, com a escritpra
chilena Carola Saavedra e o autor angolado José Eduardo Agualusa, mediados pelo
jornalista Christian Schwartz, oportunidade em que foi debatida a “Língua
Portuguesa no Mundo Literário”.
Para Agualusa, que tem suas obras
traduzidas para mais de 20 idiomas, a cultura brasileira não é mais vista com
estranheza para os demais países. “Cada vez há mais estudantes de português e a
música é a grande responsável por despertar este interesse. Sempre que
transformamos a literatura em uma festa temos salas repletas. O mais difícil ao
se escrever um livro é encontrar um tom, a respiração própria. Não vale a pena
lutar contra as suas obsessões. Para mim, fascinante é unir tantos fios e deles
contar uma história”, avalia o escritor.
Carola salienta que têm crescido os
incentivos para as traduções de romances em língua portuguesa. Exemplo disso é
o Programa de Incentivo à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no
Exterior, da Fundação Biblioteca Nacional, mas é preciso que o trabalho de
divulgação desses autores dê-se a médio e longo prazo. “Cada vez mais autores
de língua portuguesa estão tendo aceitação no exterior. Inicialmente, quando se
busca um autor, procura-se pelo exotismo e espera-se por isso. A literatura
também serve para se saber do outro”, acredita Carola.
Jorge Amado, escritor brasileiro, que
neste ano completaria 100 anos, foi o criador de mais de cinco mil personagens,
um importante influenciador de gerações de escritores e quem despertou, no
público, identificação e disseminou a cultura brasileira através de seus
romances. Gabriela, Vadinho, Teresa Batista, Caboclo Raimundo e Tieta são
personagens mergulhados em exotismo, tão esperados para serem consumidos.
Para Schwartz, o mercado consumidor
da literatura busca hoje o que ele denomina como o “novo exotismo”, o retrato
da violência nos centros urbanos, presente, por exemplo, em obras como Cidade
de Deus, de Paulo Lins. O jornalista também defende que língua portuguesa é
periférica e isso não ocorre pela dificuldade intrínseca da língua. “Esta
periferia é numérica mas, mais do que isso, é política. O império português se
desenrolou muito rapidamente e deu lugar a outro. O romance português tem a
necessidade do mítico, do mito de fundação, das alegorias da nacionalidade”,
diz Schwartz.
Para o curador do ciclo literário
“Autores & Ideias”, Luís Henrique Pellanda, os números do mercado editorial
brasileiro e o faturamento do setor estão em crescimento. Ele salienta a
pesquisa realizada em 2010, pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros e
pela Câmara Brasileira do Livro, apontando que o faturamento do mercado
editorial no Brasil ultrapassou os R$4,5 bilhões, número este bem acima do
registrado em 1990, quando não chegou a R$1 bilhão.
O ciclo de palestras percorre nos
meses de maio, agosto e outubro, as cidades de Londrina, Cornélio Procópio,
Maringá, Ponta Grossa, Guarapuava e Curitiba. A programação completa está
disponível no site www.sescpr.com.br.
Texto: Silvia Bocchese de Lima
Fotos: Shigueo Murakami
Revista Fecomércio 87
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