Quando um violeiro toca

 Com Teatro Guaíra lotado, Almir Sater abriu programação cultural da Semana S no Paraná

“Minhocas arejam a terra; poetas, a linguagem”, foi citando um “pantaneiro legítimo”, o poeta Manoel de Barros – “o pai do João” –, que o músico Almir Sater recebeu a equipe da Revista Fecomércio PR para uma entrevista, quando de sua participação na abertura da programação cultural da Semana S, no Paraná, em show que lotou o Teatro Guaíra, em Curitiba.

Almir Sater, no Teatro Guaíra | Crédito imagem: Cassiano Rosário


Buscador constante da simplicidade, dono de uma voz mansa e sempre acompanhado de sua viola que traduz o Brasil do Meio-Oeste, Sater revelou sua proximidade com a família Barros. “Eu conhecia o Manoel como o pai do João, meu amigo, e só fui conhecê-lo como poeta na década de 90. Quando estávamos fazendo a novela Pantanal, mandaram um livro pra lá e todos os atores da novela começaram a dizer que o cara era o máximo. Foi aí que me dei conta que era o pai do João e quando li as poesias dele realmente me encantei. Ele foi uma das melhores coisas que nossa terra produziu. Bebemos das mesmas águas pantaneiras”, brincou o músico.

Quando questionado sobre as suas composições e por também fazer uso do verbo, da mesma identidade poética e do mesmo território que Manoel, Sater creditou-as aos seus parceiros compositores. “Tenho ao meu lado poetas e trabalhamos juntos a poesia. Na verdade, a veia poética é muito mais do Renato [Teixeira] e do Paulo Simões do que a minha. Eu dou palpites. Eles também. Falo que se escrever aquilo não vou cantar. Quero cantar o que sinto. A parceria é perfeita, juntando melodia e poesia”.

VIOLA

Almir Sater fez um resgate histórico da viola, contando que “ela é um instrumento um pouco primitivo. Vem lá dos árabes, passa pela Espanha, vem de Portugal como viola baraguês e chega ao Brasil sofrendo muitas influências. Aqui mistura e cada região brasileira tem um sotaque e afinações diferentes”. A ele muitos violeiros atribuem uma das mais de 50 afinações que se tem registrada para a viola – a afinação Rio Abaixo. Ele revelou que aprendeu a tocar viola na afinação tradicional, aquela usada por todos os violeiros e, aos poucos, foi aprendendo outras. “Nunca inventei nenhuma afinação. Quando fiz as músicas Semente, Capim de Ribanceira, Estradeiro, Vaso Quebrado, eram afinações que eu não conhecia, não sabia o nome, mas que eu gostava do som. Cada violeiro contribuiu um pouquinho para que a viola crescesse e eu aprendi muito, na minha estrada, com violeiros anônimos, aquelas pessoas que você encontra em uma praça, num bar. Fui assimilando influências. A escola da viola é muito rica e aprendi pela estrada!”, compartilhou.

Almir Sater, no Teatro Guaíra | Crédito imagem: Cassiano Rosário

SOTAQUES

Nascido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Sater contou que foram as diferentes influências culturais da América Andina e Latina que o moldaram como músico. “Em Campo Grande era muito difícil recebermos músicos de samba ou bossa nova. Os shows que acompanhamos eram de músicos paraguaios – grandes instrumentistas –, e bandas que desciam a Cordilheira dos Andes e passavam por ali para poder tocar no Brasil. Nossas influências musicais eram muito mais latinas, do Paraguai, da Bolívia e dos Andes do que do Rio de Janeiro ou São Paulo”, revelou contando que a viola foi responsável por lhe abrir portas profissionalmente e que defender a música dele e suas raízes nunca foi um problema.

COMITIVA ESPERANÇA

Em 2024, completou 40 anos de um ambicioso projeto musical e documental de Almir Sater, Paulo Simões e Zé Gomes pelo Pantanal – a Comitiva Esperança –, financiado pela Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul. Em 90 dias, percorrendo cerca de 1.000 km, fazendo 90 bailes, ouviram e conversaram com moradores e peões de comitivas. Além deles, os cineastas Wagner Carvalho e Walter Rogério; o jornalista Zuza Homem de Mello e o fotógrafo Raimundo Alves Filho. Desta viagem que não foi ligeira e que ninguém tinha pressa de chegar, resultaram as músicas Estradeiro, Capim Ribanceira, Comitiva Esperança e o documentário homônimo. “A música Comitiva Esperança não foi utilizada no documentário, aí Sérgio Reis a colocou na novela Pantanal, e virou sucesso. A música foi muito mais esperta do que entrar no nosso filme que ninguém viu. Nem minha mãe viu”, contou brincando e revelando que usavam a música ao vivo da viola, do violino e do violão para animar bares e como isca para atrair as pessoas, que chegavam e eram entrevistadas.

Para Sater, depois de quatro décadas dessa viagem através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguás, que desceu o Piqueri, o São Lourenço e o Paraguai, ele não encontra um Pantanal tão diferente, a não ser pela comunicação. “O Pantanal continua muito parecido com aquele que vimos há quarenta anos. Nas bordas pantaneiras, perto das cidades, com um pouco mais de influência urbana, encontramos resíduos e lixos, mas o coração do Pantanal está bem preservado ainda. Uma das missões da minha vida é cuidar do Pantanal um pouco, ou bastante”, enfatizou.

Almir Sater, no Teatro Guaíra | Crédito imagem: Cassiano Rosário


DOAÇÃO

Para o show no Teatro Guaíra foram colocados à disposição do público 2.080 ingressos – lotação máxima do espaço. Cada ingresso foi trocado por dois quilos de alimentos, arrecadando aproximadamente cinco toneladas de alimentos, repassados ao programa Sesc Mesa Brasil. “O que me encantou neste projeto foi fazer um espetáculo acessível. Fazer um show em um teatro como o Guaíra e custear a produção, torna os ingressos caros e acaba elitizando um pouco. Isso de trazer dois quilos de alimento popularizou o acesso. Provavelmente vou tocar para um público que nunca toquei. Fiquei muito feliz com isso”, revelou Almir Sater, complementando que considera o Sesc como um dos maiores produtores de cultura no Brasil. “Desde que comecei minha carreira musical eu toco no Sesc. Na época que ninguém conhecia a gente, o Sesc nos contratava e nos permitia pagar nossas contas e sobreviver, porque é difícil ser artista, bancar um espetáculo. Os custos são muito grandes. Por isso o Sesc é fundamental para o Brasil. Espero que vocês continuem sempre apoiando a cultura brasileira, o teatro, a dança e a música”, disse.

Almir Sater, no Teatro Guaíra | Crédito imagem: Cassiano Rosário


EMOÇÃO

Para concluir a entrevista, Almir Sater retomou o tema simplicidade, revelando que “a música simples, aquela que emociona, é a mais difícil de fazer. Superei muitos obstáculos em minha vida com o auxílio da música, que aduba, alimenta e cura”. Ele relembrou Tocando em Frente, “uma mensagem bonita que nos escolheram para transmitir, de fácil compreensão e que, justamente, emociona pela simplicidade”, finalizou.


Texto: Silvia Bocchese de Lima
Fotos: Cassiano Rosário
Revista Fecomércio PR - nº 166

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