Uma semana para Leminski

 Paulo Leminski foi escolhido para ser homenageado pelo Sesc PR no 
ano em que ele completaria 80 anos


Paulo Leminski | Acervo da família

Paulo Leminski Filho nasceu em 24 de agosto de 1944 em meio à Segunda Guerra Mundial, viveu na infância o início do processo de redemocratização do Brasil – depois do regime autoritário de Vargas –, presenciou a expansão do rádio e do cinema, a popularização da música brasileira, o início da industrialização, o surgimento da Bossa Nova e da Tropicália, o golpe militar, a imposição do AI-5, a abertura política, o movimento Diretas Já e a explosão do rock brasileiro. Toda esta mistura social, política e cultural o fizeram um autêntico inquieto. 

Apesar de sua morte precoce, aos 44 anos, o Polaco viveu intensamente a vida que ele disse “ser uma viagem, pena eu estar só de passagem” e foi “um polivivente” como chegou a declarar. Expoente da poesia brasileira, foi professor, faixa preta de judô, escritor, músico, crítico literário, jornalista, publicitário, poliglota – falava fluentemente o latim, grego, francês, inglês, espanhol, japonês, italiano e hebraico –, boêmio, transgressor, tradutor e um encantador de pessoas. 

Leminski, Caetano Veloso e Alice Ruiz | Acervo da família

Para mostrar a multiplicidade desse curitibano que marcou a literatura, não só paranaense como a brasileira, o Sesc PR, em sua 43ª edição da Semana Literária Sesc & Feira do Livro, prestou sua homenagem a ele. “Ficamos muito felizes com esta homenagem que o Sesc PR presta ao meu pai porque é um evento que abrange um público muito vasto, variado tanto em idade quanto em número de cidades. Assim, podemos levar a obra do meu pai para inúmeros cantos do Paraná e não poderia ter sido mais feliz para a gente ter recebido esta homenagem justo no ano que ele faria 80 anos”, destacou a filha do escritor e produtora cultural, Áurea Leminski.

Perfil

Para o escritor Rodrigo Garcia Lopes, Leminski foi um criador múltiplo que “se desdobrou em múltiplas artes e namorou várias formas poéticas, a crônica, o ensaio, a poesia, mas ele foi, acima de tudo, um poeta. Ele era provocador, experimentava, criava beleza e tornava o ordinário em extraordinário. Leminski também sempre gostou de uma boa polêmica para tonificar os músculos e as ideias, como ele dizia”, relembra Lopes. 

Para a escritora Giovana Madalosso, Leminski foi uma inspiração quando ela começou sua jornada profissional como redatora em uma agência de publicidade e sentou-se à mesa que ele chegou a usar. “Quando eu cheguei lá e me sentei naquela mesa, pensei: se esse cara aqui, que sentou nessa mesa conseguiu fazer, publicou seus livros, talvez eu também possa, tenho por onde. Agradeço ao Paulo por ter trazido esperança no meu início de carreira”, compartilhou.

Enquanto o biógrafo Toninho Vaz chegou a declarar que Leminski tinha algo de magnético, Paulo Teixeira, músico da banda A Chave, o considerava cheio de mistérios, dono de uma poesia com transcendência e extremamente empolgante. “Ele era uma pessoa encantadora, inteligente, sempre transcendia em tudo, buscava o novo, era inventivo, criativo”, descreve o amigo. Já, a escritora, tradutora, professora universitária e musicista Luci Collin, que aos 17 anos foi elogiada por Leminski, encantado com o nível técnico do trabalho que ela produzia, conta que ele era “uma figura muito marcante, que conseguia conjugar muitas ideias e depurar com uma velocidade incrível, muitas percepções e de uma sensibilidade incrível, somado a isso, a grande habilidade de colocar profundidade em palavras”.

Estrela Leminski e Áurea Leminski, filhas de Paulo Leminski | Crédito imagem: Bruno Tadashi

Para Áurea, é impossível dissociar a figura de Leminski da paterna. “Apesar de estar à frente do trabalho de divulgação da obra dele, do legado e tudo mais, a figura que mais pesa para mim é a paterna. Quando vejo o nome dele, é uma extensão de mim, carrega esse lado afetivo e carinhoso muito mais do que aquela figura meio inatingível ou a que está no imaginário coletivo das pessoas, principalmente em Curitiba e no Paraná. Era difícil ficar perto dele e não se encantar. Tinha uma energia muito grande, era brilhante, genial, engraçado, divertido e, ao mesmo tempo, surpreendente”, ressaltou Áurea, enquanto para sua irmã, Estrela Ruiz Leminski, ele era autodidata e intenso em tudo o que fazia. “Quando ele se propunha a aprender uma coisa, se entregava de corpo e alma. Amava tanto o aprendizado que aprendeu a aprender. Nessa obsessão pelo aprendizado, ele era capaz de aprender qualquer coisa. Se era para aprender sobre a cultura japonesa, mergulhava nela”, revela.

Davi Moraes, filho de Moraes Moreira – amigo e um dos principais parceiros musicais de Leminski – conviveu com o poeta e sua família desde a infância. “Ele era único, sensacional. Tive o privilégio de ter convivido com esse gênio da nossa cultura, com a família dele. Foi um cara que fez das coisas mais cotidianas da vida se tornar as mais profundas e bonitas sob o seu olhar. Ele tinha um estilo único de escrever e de chegar até as pessoas com personalidade, criatividade e beleza de olhar a vida”.

Obra

A obra de Leminski, até pode ser considerada marginal, mas é marcada por humor, ironia, neologismos e linguagem coloquial. Ele foi fortemente influenciado pela cultura oriental, pelo modernismo e pelo concretismo.


A bibliografia de Leminski conta com mais de 25 obras. Em 1975 ele publicou Catatau, e no ano seguinte, pela Etcetera, Quarenta Clics em Curitiba. Em 1980 publicou Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase, pela ZAP, e Polonaises, em edição própria. No ano de 1983, publicou Caprichos & Relaxos; Cruz e Souza; Matsuó Bashô, e a tradução de Folhas das Folhas da Relva, de Walt Whitman e, no ano seguinte, Jesus A.C.; Agora é que são elas, e as traduções de Pergunte ao Pó, de John Fante; Giacomo Joyce, de James Joyce, e Vida sem fim, de Ferlinghetti, todos pela Brasiliense. Ele também traduziu, em 1985 e em 1986, Supermacho, de Alfred Jerry; Satyricon, de Petrônio; Sol e Aço, de Yukio Mishima; Um atrapalho no trabalho, de John Lennon, e Malone Morre, de Samuel Beckett. Leminski escreveu, ainda, Leon Trotsky, a paixão segundo a revolução; Anseios Crípticos; Distraídos Venceremos; Guerra Dentro da Gente; Catatau (reedição em 1989); A Lua no Cinema, em 1989. Também foram lançados livros de Leminski postumamente: La Vie en Close, em 1991; Metamorfose: uma viagem pelo imaginário grego, em 1994; Winterverno, em 1994 e 2001; O Ex-estranho, em 1996; Melhores Poemas de Paulo Leminski, em 1996, com seleção de Fréd Góes e Álvaro Marins; Toda Poesia e Vida, em 2014. Seus livros também foram traduzidos e publicados na Hungria, México, Argentina, Itália, Espanha e Estados Unidos.Após sua morte, seu livro Metamorfose: uma viagem pelo imaginário grego recebeu, em 1995, o prêmio Jabuti na categoria Poesia.

Leminski e a Música

Entre as tantas aptidões que Paulo Leminski possuía, a musical era uma delas e por isso aprendeu a tocar violão e a compor canções. Com seu irmão Pedro e o amigo Paul Bahr – estudante de medicina naquela época – formaram o trio Duas Pauladas e Uma Pedrada.

Toninho Vaz, em O Bandido que Sabia Latim, salienta que Leminski, em 1972, criou um projeto intitulado “Em Prol de um Português Elétrico”, com a proposta de realizar uma “pesquisa mais profunda e direcionada para o ponto fraco do rock brasileiro: as letras”. Em artigo publicado no jornal Diário do Paraná, de 16 de abril de 1977, Leminski declarou que o projeto foi feito para que pudessem “testar a resistência do vernáculo à eletricidade: fonética e guitarras (...) Os entendidos que se aproximavam do material produzido sacavam que estava em andamento em Curitiba, talvez a mais criativa experiência de roque brasileiro. Era um roque muito pesado, violento, com letras de forte carga de crítica social e contestação”, pontuou Leminski.

No Arquivo Nacional é possível encontrar documentos da Divisão de Censura e de Diversões Públicas (DCDP) com pedidos de Leminski e de empresas fonográficas que o representavam para que realizassem o exame de obras lítero-musical de sua autoria. Frevo das Diretas, com letra de Leminski e música de Moraes Moreira, foi aprovada pela DCDP em janeiro de 1984. “A produção da música foi solicitada pelos criadores da campanha Quero votar para presidente, porém não chegou a ser usada por não ter havido acordo com relação ao pagamento de direitos autorais”, revela Ernani Buchmann, um dos responsáveis pela campanha. 


Frevo das Diretas, de Leminski e Moraes Moreira


Três anos antes, em 1981, Leminski teve 3º Mundo vetada pela censura, com a justificativa de que “a mencionada letra musical procura ridicularizar um vulto histórico de nossa Pátria (...) por esta razão e por contrariar a lei (...), apontamos a interdição da composição”. A letra fazia menção a Dom Pedro II. Leminski foi o compositor de 109 músicas, entre outras gravadas e interpretadas por Caetano Veloso, Guilherme Arantes, Arnaldo Antunes, Ney Matogrosso, Paulinho Boca de Cantor, Zélia Duncan, Blindagem, Moraes Moreira e Ivo Rodrigues. Chegou a dizer que apesar destas inúmeras parcerias, ele alcançou a glória quando Angela Maria gravou uma música que ele havia escrito para ela. Buchmann, durante mesa-redonda com Toninho Vaz no Teatro do Sesc da Esquina, em 2023,  relembrou que na década de 1980, “a Rede Globo passou a investir no público infantil. Já havia o Show da Xuxa, mas a emissora queria mais. Foi quando entraram em cena os musicais infantis. Em um deles, Leminski e Guilherme Arantes foram contratados para trabalhar juntos. Dessa improvável parceria saiu um clássico dos musicais infantis, o sucesso Xixi nas Estrelas”, disse. 


Música 3º Mundo vetada pela censura

Semana Literária

Para celebrar a trajetória de Paulo Leminski, Estrela Leminski acompanhada pelo músico Téo Ruiz, resgatou as composições do pai. O show Leminskanções foi apresentado no Sesc Medianeira, no Sesc São José dos Pinhais, e no Sesc Estação Saudade, em Ponta Grossa. Em Curitiba, no Museu Oscar Niemeyer (MON),  o público pôde visitar a Experiência Sonora, um espaço interativo com letras e músicas de Leminski. E a cantora e compositora curitibana, radicada em São Paulo, Bruna Lucchesi apresentou o show Quem Faz Amor Faz Barulho, com composições de Leminski no Sesc Arapongas, no Sesc Maringá e no Sesc Londrina Cadeião.

Leminski no Sesc

A relação de Leminski com o Sesc PR é antiga. Em 1987, em uma parceria do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Funarte, do Ministério da Cultura, e o Sesc da Esquina, Leminski ministrou em maio daquele ano, o curso livre Os sentidos da paixão, ao lado do crítico de arte e jornalista Rodrigo Naves; do ensaísta e professor de Filosofia, Benedito Nunes; do professor da Escola de Comunicação da USP e autor de diversos ensaios sobre cinema, Ismail Xavier, e do professor de Jornalismo da PUC, Luis Renato Martins, falaram sobre a paixão na pintura, na linguagem e na poesia, na literatura, no cinema e na obra de Sófocles. “Poesia é um gesto de amor pela linguagem que une e funde os seres humanos, rompendo com o isolamento dos eus”, disse Leminski ao jornal Gazeta do Povo, em 17 de maio de 1987.

Nota publicada na Gazeta do Povo de 17/05/1987


No mesmo ano, de 31 de agosto a 4 de setembro, Leminski também ministrou o curso O texto e o contexto, no Sesc Centro, abordando o discurso poético, o simbolismo, a poesia concreta, a práxis poética, o poema – processo e suas contribuições –, a poesia e a música, a filosofia e poesia oriental.

 

Notícia publicada no jornal Correio de Notícias de 19/05/1987

Na 43ª Semana Literária Sesc & e Feira do Livro houve a apresentação da peça musical Por um Lindésimo de Segundo, pelos atores Aaron Ramathan e Yara Rossatto e pelos músicos Gabriel Oliveira e Paulo Teixeira.

Festival Paulo Leminski

Com o apoio cultural da Fecomércio PR e do Sesc PR, o Instituto Paulo Leminski promoveu, no dia 24 de agosto, o Festival Paulo Leminski 80 anos, no maior palco aberto da América Latina, que leva o nome do poeta. O evento trouxe grandes nomes da música brasileira e parceiros musicais do Polaco, como Paulinho Boca de Cantos, Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro e Blindagem, além de Estrela Leminski, A Banda Mais Bonita da Cidade, Slam das Gurias, Vitor Ramil, Juliana Cortes, DJ Gil Preto, Rogéria Holtz, Gabriel Teixeira, DJ Mitay e Canta Novos Baianos. No Espaço Sesc o público pôde acompanhar oficinas e atividades artísticas.

Com ingressos solidários, foram arrecadados 370 quilos de alimentos que foram repassados ao programa Mesa Brasil do Sesc Paraná.

O Neto

Paulo Leminski Neto, filho do poeta, prestou homenagem ao pai em show realizado no Teatro Sesc da Esquina, em 27 de agosto, como parte das comemorações dos 80 anos que Leminski completaria. Com a lotação quase completa, o espetáculo produzido pela Ar Cênico Produções com direção de Jota Eme cativou os espectadores.

Paulo Leminski Neto

As atrações iniciaram com o próprio Jota Eme, com quimono de judô, arte da qual Leminski era faixa-preta, incorporando o poeta e falando sobre sua vida. Em seguida, o professor de literatura Rafael Walter entrevistou o biógrafo de Leminski, Toninho Vaz. A banda, com Paulo Leminski Neto e sua mulher Cláudia Tonelli Leminski no centro do palco, entrou em seguida, cantando Esta noite vai ter sol, musicada a partir de um poema do poeta homenageado.

Toninho Vaz expressou assim suas opiniões sobre o show: “A verdade é que foi um showzaço. Foi uma surpresa ver músicos tão jovens revelando trabalho a nível internacional”. Paulo Leminski Neto, nascido em Curitiba em 31 de janeiro de 1968, vive no Rio de Janeiro e veio à cidade natal especialmente para celebrar os 80 anos que seu pai faria e comemorado durante todo o mês de agosto em Curitiba, inclusive na Semana Literária & Feira do Livro promovida pelo Sesc PR no início deste mês, da qual Leminski foi o patrono. 


Revista Fecomércio PR - nº 161
Silvia Bocchese de Lima
Fotos: Acervo da Família

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