A dona do riso paranaense

Conheça a história da atriz Odelair Rodrigues, pioneira na televisão e estrela maior do teatro do Paraná


Um dos mais conhecidos e impactantes palhaços do cinema, Charles Chaplin, dizia que, de maneira recorrente, fazia uso do artifício da brincadeira para dizer verdades. “Você teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando. Muitas vezes falei como um palhaço, mas nunca desacreditei na seriedade a plateia que me ouvia sorrindo”. 

Reprodução da foto publicada no livro Odelair Rodrigues. A imagem mostra ela e Ary Fontoura

Assim como Carlitos, foi nos palcos e na televisão que a atriz curitibana Odelair Rodrigues arrancou o riso das plateias e do público com seu humor peculiar e sorriso largo, rompeu barreiras, lutou contra o bullying, a pobreza e o preconceito racial. Foi voz, presença e corpo político nos palcos, viveu e amou o teatro intensamente sem, necessariamente, expor suas cicatrizes.

Dedicada aos estudos, concluiu o Curso Primário no Grupo Escolar Vila Mimosa, em dezembro de 1948, obtendo 9,5 de nota final. No livro Odelair Rodrigues, escrito por José Carlos Corrêa Leite e Rosirene Gemael, a atriz revelou que por conta do preconceito racial o comportamento na escola funcionava como um escudo, brigava, batia, se defendia contra as constantes agressões verbais e físicas que sofria. “Miudinha e endiabrada, Odelair protagonizou as primeiras brigas no Grupo Escolar Xavier da Silva. Era de extremos – nas matérias tirava as melhores notas da sala, mas as notas de comportamento…”, traz trecho do livro.

Caricatura de Odelair na exposição É Ser Odelair.  | Imagem: Pedro Garcia


PRIMEIROS ATOS

Ela nasceu em Curitiba em 1935 – filha de Joaquim, terceiro sargento da Polícia Militar e de Alice, empregada doméstica, cozinheira e lavadeira. Seu primeiro ato ocorreu aos sete anos, quando uma professora questionou, em sala de aula, quem sabia declamar, dançar, cantar, sapatear ou executar alguma outra atividade artística. Odelair não hesitou, cantou e ganhou os palcos pela primeira vez – um encontro que perdurou por toda sua vida.

Foi mascote das Olimpíadas Colegiais no Colégio Estadual do Paraná, mas oficialmente, começou no teatro em 1952, no grupo Teatro Experimental do Colégio Estadual do Paraná (TECEP). Ary Fontoura foi quem convidou Odelair para integrar o elenco de seu teatro amador e, no livro de Corrêa Leite e Rosirene, o empenho do ator ao tentar convencer Dona Alice, mãe de Odelair, a deixá-la frequentar os ensaios é detalhado. “Conversa vai, conversa vem, a mãe irredutível e o ator, na convicção de quem, aos 19 sabe o que quer, insistindo. Não foi fácil, a conversa foi longa até a mulher concordar. O rapaz venceu a parada calcado em argumentos, obstinação, e por ceder nos pontos conflitantes que ainda persistem”, relata o livro.

Em 22 de outubro de 1952, foi a estreia oficial de Odelair em Sinhá Moça Chorou, de Ernani Fornari, dando vida a personagem Balbina. Ao lado de Ary Fontoura e René Dotti, ela não apenas conquistou a plateia mas a crítica, saiu do anonimato e conquistou algumas manchetes de jornais que afirmavam que  ela havia “roubado a cena”. “Reclamei que estava sendo acusada injustamente. Afinal, não tinha roubado nada e cumpri o meu papel direitinho”, contou gargalhando, anos depois, em depoimento ao livro.

Registro de Odelair no papel de Índia, em Massacre, publicado na Revista Panorama, em 1958


No ano seguinte à estreia, em 1953, Ary Fontoura encerrou a Companhia Estudantil de Teatro e fundou a Sociedade Paranaense de Teatro, com patrocínio do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação. Odelair, claro, fazia parte do elenco. Ela ajudou a fundar, também com Fontoura, Synval Martins, Frederico Schultz, Maurício Távora, em 1958, o Teatro de Bolso de Curitiba, na Praça Rui Barbosa. De acordo com a Revista Panorama, de outubro daquele ano, “o Teatro de Bolso, com seu plano de levar à cena bons trabalhos com determinada regularidade, já atinge com a segunda peça apresentada um padrão muito bom (...) Os integrantes não vieram de nenhuma escola de arte dramática, mas embora não tenham cursado em curso de teatro estão demonstrando como o diletantismo pode fazer bons atores de quem já nasceu com veia artística”, trazia a matéria. O texto ainda relatava que “todos os papéis são importantes, em Massacre. Odelair Rodrigues, na ‘Índia’, tem destacado desempenho”. A atriz também foi integrante do Teatro de Comédia do Paraná e do Teatro Experimental do Guaíra.

No Teatro de Comédia do Paraná, Odelair atuou em O Consertador de Brinquedos, O Patinho Preto, O Contestado e Palácio de Urubus.

MIL PAPÉIS

De Índia a Balbina, de Mariana a Nancy Manningoe e, de Mamãe Dolores a tantas outras. Odelair deu vida a inúmeras personagens, apesar de, na opinião de Corrêa Leite e Rosirene, “o peso secular da cor pavimentando o caminho: desempenhava o papel de uma empregada doméstica. Nada mais elementar”. Não eram raros os papéis de empregadas domésticas e escravas que foram destinados a ela, mas ela brilhou no rádio, no teatro, na televisão e no cinema.

Nas décadas de 1960 e 1970, integrou o time de profissionais da TV Paraná - Canal 6, foi atriz de novelas, entre elas, O Direito de Nascer, uma das quatro adaptações para a televisão brasileira da radionovela de grande sucesso no país. 

Odelair no comércio do Café Damarco. | Imagens do YouTube


“Café Damasco, forte, puro, brasileiro, faz questão que povo inteiro”, é uma parte do jingle do comercial estrelado por Odelair no fim da década de 1980, que até hoje é lembrado e cantarolando quando se fala a marca do café.

ESTRELA MAIOR

Odelair conquistou reconhecimento em sua carreira como atriz. Em 1953, recebeu o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante do Paraná, pela atuação em O homem que nasceu duas vezes, no papel de Geraldinha, pelo periódico Rádio em Revista, mas em 1956, 1977 e 1979 foi escolhida a Melhor Atriz do Paraná. 

Fato curioso marcou a entrega do primeiro troféu de melhor atriz. Embora com o reconhecimento, precisava de uma renda complementar. Formada em Contabilidade e sem conseguir emprego na área contábil, guardou o anel de contadora e foi trabalhar como empregada doméstica. Na manhã seguinte ao recebimento do prêmio, Odelair estava na casa dos patrões, preparou o café da manhã, separou o jornal. Quando o patrão abriu o periódico a questionou: “Tem uma foto aqui. Por acaso é a senhora?” A foto ilustrava a matéria que noticiava a premiação que ela havia recebido. “Odelair discorreu aos patrões o amor que tinha pelo teatro, mas em contrapartida havia o lado sem glamour da carreira, que era o de parcos recursos. Mesmo formada em curso contábil não conseguia colocação no ramo, daí que optou em voltar para o trabalho do qual já tinha experiência”, destacou o livro. 

Recebeu Troféu Curumim em 1966 e em 1969, Troféu Melhores do Ano Comunicação da Cidade/Teleatriz, em 1977; Troféu Melodia - Melhores do Rádio e TV do Paraná/Atriz de TV; Troféu Pinhão APAC, em 1985; foi tema do programa Bicho do Paraná, em 1990, Prêmio Talento do Paraná - Artes Cênicas, em 2000; Troféu Gralha Azul em 2000; Menção Honrosa pelo pioneirismo na difusão do teatro no Paraná, pela formação de plateia e por sua carreira como atriz; Troféu Espaço Arte e Cultura Telepar/Brasil Telecom 2001 - 50 anos de vida artística, entre outros.

Em homenagem a atriz, também foi inaugurado, em 2008, o Espaço Cultural Odelair Rodrigues, administrado pela Companhia Alameda de Teatro de Curitiba. Com dificuldade para manter uma agenda permanente de espetáculos, em abril de 2010 o espaço foi fechado.

ÚLTIMO ATO

Odelair Rodrigues, que sofria de bronquite crônica e crises asmáticas, faleceu em 1º de julho de 2003, vítima de uma parada cardiorrespiratória.

Os co-fundadores teatrais da Cia KÀ de Teatro, Caio Frankiu e Kelvin Millarch, na exposição É Ser Odelair  | Imagem: Pedro Garcia


EM PAUTA NOVAMENTE

Foi em uma pesquisa aleatória por curtas metragens paranaenses que os co-fundadores teatrais da Cia KÀ de Teatro, Kelvin Millarch e Caio Frankiu, depararam-se com uma entrevista de quase uma hora de Odelair Rodrigues. “Quando o vídeo acabou, surgiram uma revolta e uma indignação do porque nós, mesmo estando dentro da cena cultural, estudado nas instituições de ensino que ela também estudou, nunca havíamos ouvido falar sobre ela. Odelair é um marco para a história curitibana e do Paraná e isso não poderia continuar assim”, contou Frankiu. Os dois passaram a estudar a história da atriz curitibana a fundo: “estamos trabalhando a fundo neste projeto há quatro anos, fazendo pesquisas com a família, com amigos, procurando entender de fato não só a Odelair atriz, mas quem foi a Odelair de fato. Descobrimos que ela foi múltipla. Foi doméstica, cantora, jogadora de carteado, radialista, mãe (ajudou a criar os irmãos mais novos), contadora”, contou Millarch.

A pesquisa resultou em na exposição É Ser Odelair que ficou em cartaz de março a abril de2023 em Curitiba, no Café do Teatro; em um curta metragem Um Prólogo para Odelair, gravado durante a pandemia, no Teatro do Sesc da Esquina, e na peça, em formato de metateatro, Odelair - uma peça teatral. “Estamos muito felizes que as pessoas voltaram a se interessar pela história dela, que ela está em pauta novamente. 

O deputado estadual Requião Filho protocolou um projeto de lei para que o dia 27 de janeiro, data do nascimento da atriz, seja o Dia da Odelair Rodrigues e o Dia da Atriz Negra do Estado do Paraná”, ressaltou Millarch.

O Um Prólogo para Odelair está disponível AQUI.


Texto: Silvia Bocchese de Lima
Revista Fecomércio PR - nº 153

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