A curitibana Guerra do Pente

Violentos conflitos ocorreram na capital paranaense em 1959 durante três dias, motivados pela não emissão de uma nota fiscal

 

Fazia apenas oito dias que a Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná havia realizado o primeiro sorteio da campanha “Seu Talão Vale um Milhão” – uma estratégia do governo Moysés Lupion para aumentar a arrecadação de impostos. Era oito de dezembro de 1959 e o burburinho sobre o novo milionário curitibano, Hamilton Constantino, e os demais premiados tomava os jornais e o boca a boca pelo estado. 

No mês seguinte, logo após a virada do ano, já seria possível trocar cada três mil cruzeiros em talões fiscais por cupons e concorrer em um novo sorteio. Ninguém queria perder a oportunidade e, em cada nova compra realizada, um talão fiscal era solicitado. A legislação vigente dava conta que o empreendimento comercial era obrigado a fornecer a nota sempre que a compra ultrapassasse o valor de 50 cruzeiros. Mas naquela terça-feira de dezembro, quando o subtenente da Polícia Militar, Antônio Haroldo Tavares, foi até o Bazar Centenário, na Praça Tiradentes, solicitou a nota fiscal da compra que acabara de fazer e teve seu pedido negado, a confusão começou. 

De acordo com o jornal Gazeta do Povo, de junho de 2012, a compra teria sido de um pente para cabelo, no valor de 15 cruzeiros. Segundo o jornal Diário da Tarde, de 9 de dezembro de 1959, “bastou, tão somente, a reclamação justa e legal (...) após adquirir vários objetos no Bazar Centenário. O proprietário do mesmo, o sírio Ahmad Najar, desconhecendo as leis, negou-se a fornecer o referido talão, originando-se daí, violenta discussão, culminando por se atracarem em luta corporal. O sírio, entretanto, teve o auxílio de dois de seus funcionários, levando o sub-tenente desvantagem, sendo espancado e tendo quebrado uma das pernas”, trazia a notícia do jornal.

REVOLTA

A agressão ao policial gerou revolta popular, como conta Diego Antonelli, em Paraná: uma história. “A cena foi assistida por cerca de 30 pessoas, que, indignadas com a situação, iniciaram a depredação do Bazar Centenário. O estoque da loja foi parar no meio da rua e a briga tomou proporções inimagináveis, envolvendo perto de 200 pessoas. A região da Praça Tiradentes, marco zero da capital do estado, estava tomada por um verdadeiro quebra-pau. A confusão avançou para mais de 120 lojas de sírio-libaneses das redondezas, com depredações e saques”, Antonelli registra no livro. 

Nos dois dias que se seguiram, o comércio da região central da cidade permaneceu de portas fechadas, porém houve apelo nos jornais para que as farmácias permanecessem abertas. “Apesar da intranquilidade reinante no centro apelamos às farmácias que não fechem seus estabelecimentos uma vez que em hora de emergência como esta é que se tornam necessárias e se verifica o espírito de solidariedade e sacrifício de que os farmacêuticos são imbuídos”, noticiava o Diário da Tarde na primeira página do periódico.

DEPREDAÇÃO

Antonelli pontua ainda que a ira da população “recaiu sobre os prédios públicos, como o prédios da polícia e da biblioteca. Até camelôs e pipoqueiros sofreram com o quebra-quebra”, e o Diário da Tarde completa que “bancas de jornais, quiosques, viaturas do Exército, da polícia e do Corpo de Bombeiros foram seriamente atingidos por pedradas”. 

As rebeliões geraram, inclusive, a manifestação pública das entidades representativas da indústria, comércio e lavoura do estado, entre elas, a Federação do Comércio do Paraná. O comunicado ao povo lamentava e repudiava os ocorridos na capital. “O comércio em geral não póde ficar á mercê de elementos que pretendem responsabilizar a coletividade produtora por atos individuais. Reconhecem a gravidade do momento e pensam com mágoa e tristeza na difícil situação nacional”.


ORDEM PÚBLICA

Com a chegada de dois contingentes da Polícia Militar para tentar aplacar a fúria dos manifestantes, a quantidade de revoltosos aumentou, mas não reivindicavam nenhuma pauta. Houve disparo de arma de fogo por parte de comerciantes, tentando retrair o avanço dos manifestantes. 

Em entrevista coletiva, o então chefe de polícia Alfredo Pinheiro Júnior foi categórico em afirmar que apesar das agitações terem tido início com o atrito do policial com o comerciante, a ação de desordem foi resultado de uma “ação de elementos interessados na perturbação de ordem, conforme tivemos oportunidade de registrar através dos nossos serviços de informação”, declarou. O chefe de polícia chegou a afirmar que chegariam a Curitiba, nas horas seguintes, “os bravos patrícios que compõem o Batalhão de Suez”. 

O saldo da Guerra do Pente foi de uma pessoa atendida pelo Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU); mais de 30 feridos procuraram hospitais particulares da capital e 12 feridos foram atendidos pelo Pronto Socorro Municipal, no Hospital Cajuru, entre eles, a zeladora da Prosdocimo S.A., ferida no antebraço por um tiro quando se encontrava em um dos andares do prédio em que trabalhava. Diversas pessoas foram detidas, algumas com pedras no bolso, outras com objetos furtados ou por agressão a policiais. Para debelar as agitações, o governo do estado contou com o auxílio do Exército, e os comandados do General Oromar Osório ocuparam o centro de Curitiba com tanques de guerra e tropas armadas com metralhadoras em uma ação chamada de Operação-Limpeza. 

Antonelli salienta que um outro fator decisivo para o fim da Guerra do Pente foi a comoção geral e repercussão com o infarto fulminante que vitimou o favorito à sucessão ao governo paranaense, Abilon de Sousa Naves.

A morte do senador Sousa Naves tomou as páginas dos jornais,
dissipando o conflito da atenção da imprensa



Texto: Silvia Bocchese de Lima
Imagens: Acerca Digital da Hemeroteca da Biblioteca Nacional
Revista Fecomércio PR - nº 156



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