Pedagoga do Café

 Pedagoga por formação e missão, a cafeicultora é
sinônimo de compartilhar conhecimento e saber gerir

A essência do pensamento do influente pedagogo suíço do século XVIII, Johann Heinrich Pestalozzi, diz que o verdadeiro conhecimento não se trata de uma posse a ser mantida para si mesmo, mas deve funcionar como uma chama a ser compartilhada para iluminar o caminho de outros. A cafeicultora Cornélia Margot Gamerschlag, filha e neta de suíços, pedagoga por formação, tem cumprido com maestria o conselho de Pestalozzi e sido luzeiro por onde passa.

Cornélia Margot Gamerschlag


Nascida em Marília, região Centro-Oeste de São Paulo, mudou-se para a Suíça quando tinha 15 anos – uma tradição familiar – e lá permaneceu até concluir o Ensino Médio e a sua graduação. “Eu me criei numa fazenda de café e como meus pais eram suíços, eles queriam que os filhos tivessem a oportunidade de conhecer outro país e todos nós, os cinco filhos, ao completarmos 15 anos, fomos para a Suíça – forçados, é verdade –, mas tivemos a possibilidade de nos desenvolvermos nas áreas que tivéssemos afinidade”, conta Cornélia.

De volta ao Brasil, estabeleceu-se em Curitiba, fazendo parte da equipe que instalou a Escola Suíça na capital, auxiliou a formatar o conceito pedagógico da instituição, da educação infantil e das aulas de alemão que ocorriam paralelamente às regulares e lá permaneceu por seis anos até seu casamento com Norbert, em 1987, e retorno para São Paulo.

UMA NOVA APTIDÃO

Há uma crença popular que diz que os negócios são mais bem sucedidos e obtêm os melhores resultados quando os donos estão por perto. Foi a necessidade de comandar a administração da Fazenda Palmeira, em Santa Mariana, Região Norte Pioneiro do Paraná, que fez Cornélia deixar São Paulo acompanhada pelos dois filhos pequenos, Luana, com três anos, e Jan, com um ano, em 1991. O marido fazia o trajeto São Paulo-Santa Mariana todos os fins de semana durante quatro anos até também mudar-se em definitivo para a fazenda. “A vinda para Santa Mariana foi por uma necessidade. Essa escolha nos foi colocada no caminho e soubemos resolver desta forma. Como nem eu e nem Norbert éramos agrônomos, precisamos buscar assistência técnica, consultorias externas tanto para a soja, como para o café, para o milho e para as lavouras brancas. Com eles, aprendemos muito, são fontes de conhecimento e tentávamos sugar o máximo possível a cada vinda deles aqui”, relembra.



GESTÃO HUMANIZADA

Quando Cornélia e Norbert assumiram a fazenda de 1.200 hectares contavam com aproximadamente 100 colaboradores – entre os permanentes e os temporários –, fizeram adaptações, mudanças e tomaram a decisão de registrar a Carteira de Trabalho de todos. Ela explica que hoje a fazenda conta com 24 funcionários registrados durante todo o ano e mais 30 durante o período da colheita, que perdura por cinco meses. “Muitas vezes nos perguntamos se continuaríamos a plantar café, se não deveríamos arrancar o cafezal e plantar soja. Seria mais fácil, mas o que pesou e pesa na nossa decisão de continuar foi e é, com certeza, a quantidade de funcionários que nós temos aqui – teríamos que demitir 70% deles – e a estrutura que temos preparada para o café, como o terreirão e a tulha, herdados do meu pai”, pontua a cafeicultora.

Cornélia conta que em torno de ¾ das pessoas que trabalham com eles já são da terceira geração e hoje, cerca de 30 famílias moram na fazenda, em uma colônia que tem casas, biblioteca e capela. “Temos uma porcentagem bem alta de famílias que criaram raízes aqui e que os filhos e netos dão continuidade ao trabalho. As pessoas que ficam mais tempo são qualificadas e treinadas, recebem cursos, são estimuladas e tentamos ver o perfil de cada um e onde se encaixam melhor. Isso só é possível de ser feito com pessoas que você viu crescer, que em parte foram meus alunos”, explica.

SEMPRE PEDAGOGA

Cornélia carrega a máxima “uma vez professora, sempre professora” e apesar de trabalhar integralmente com a cafeicultura, a pedagogia lhe é companheira inseparável e, na opinião dela, vai acompanhá-la por toda a vida. Quando mudou-se para Santa Mariana com os filhos ainda na primeira infância, o casal resolveu instalar na fazenda uma pré-escola que pudesse atender aos seus filhos e aos dos colaboradores. 

A cafeicultora foi professora voluntária durante 25 anos no bosque municipal de Cornélio Procópio, município vizinho, ministrando aulas de Educação Ambiental. “A questão ambiental sempre esteve presente na minha vida. Meu pai andava com os bolsos cheios de sementes, plantou muitas árvores e aonde ia, coletava sementes de árvores nativas para disseminá-las”, relembra com orgulho. 

Recentemente em parceria com uma ONG, estruturou a parte pedagógica de um projeto que leva educação ambiental a escolas públicas. 

TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO

Há 14 anos a empresária foi convidada para participar da Rota do Café, roteiro turístico que envolve sete cidades do Norte e do Norte Pioneiro do Paraná e que tem como objetivo resgatar a tradição e a cultura cafeeira no estado. “Participar da Rota do Café é também compartilhar conhecimento que fui adquirindo ao longo do tempo, que recebi de alguém e, se a gente recebe, não pode guardar pra gente”, destaca Cornélia, explicando que este repasse de conhecimento inclui os consumidores, mostrando ao público as diferenças entre os cafés, o que faz um café especial e como se chegar até ele. 

AGREGAR VALOR

O preço do café sofreu altos e baixos ao longo da história e para agregar valor ao produto, a cafeicultora explica que um importante trabalho foi realizado pelo Sebrae/PR na fundação da Associação de Cafés Especiais do Norte do Paraná (ACENPP) e na introdução do termo “café especial”. “Para nós a expressão café especial era desconhecida, sabíamos o que era gourmet, então surgiu uma nova oportunidade de aprender, de nos qualificarmos e de nos unirmos com outros produtores, realizamos visitas técnicas a Minas Gerais, muito treinamento, cursos e debates até a realização de concursos para confirmar a qualidade do café produzido por nós”, testemunha. 

 O trabalho desenvolvido pela ACENPP e pelos produtores tem ofertado ao mercado café com alta doçura, sabor marcante, equilíbrio entre acidez crítica e cremosidade. Já os aromas remetem ao chocolate, ao caramelo, melaço, doce de leite, floral cítrico e frutado e a qualidade tem sido comprovada pelas premiações em concursos nacionais e internacionais. 



CERTIFICAÇÕES

Pioneiros em práticas de Governança Corporativa em ESG, um conjunto de boas práticas ambientais, sociais e de governança, a Fazenda Palmeira conquistou prêmios, títulos e certificações internacionais, como o FairTrade, UTZ e 4C.

VENDEDORA DE SABOR

Cornélia vê o produto que produz como responsável pela união de pessoas. “Do campo ao consumidor, o café une. Um produtor busca no vizinho a variedade que melhor se adaptou, como estamos lidando com o pós-colheita, qual a melhor extração, passando pelos profissionais de degustação e torra para quem eu tiro o meu chapéu e no fim, quando queremos nos reunir com um amigo, o chamamos para tomar um café. Café une pessoas e inspira”, avalia. Para a produtora, autodeclarada “vendedora de sabor”, ela pontua que para se obter o melhor sabor é necessário cuidado em todas as etapas do processo, capricho, comprometimento da equipe e melhoramento técnico. “Nós cafeicultores vendemos sabor!”. 

DESAFIOS E SUCESSÃO

Se a geada de 1975 foi um ponto importante e decisivo para a cultura do café, em um futuro próximo as mudanças climáticas também serão. “A questão climática vai trazer muitos desafios para a cafeicultura e eu não tenho as respostas e ninguém na verdade tem, mas teremos que lidar com temperaturas acima do acostumado, com períodos de seca, buscar variedades mais adaptadas a isso, combate a doenças de forma biológica, implantação de agroflorestas, redução drástica do uso de insumos agrícolas. Isso é um grande desafio”, acredita ela. Com a sabedoria que a pedagogia e a vida lhe agregaram, Cornélia é enfática ao falar sobre sucessão e os rumos da Fazenda Palmeira e da cafeicultura. “Minha filha é terapeuta ocupacional na Holanda, Jan é Engenheiro de Produção, em São Paulo e Martin, meu filho mais novo, está estudando Agronomia. A questão do café para ele ainda não é tão atrativo. Café é paixão, vemos assim. Se ele der sequência, ótimo, se não der ele saberá buscar o que fizer o olho dele brilhar e vamos aceitar o que vier”, conclui.

Fazenda Palmeira, em Santa Mariana - PR


FAZENDA PALMEIRA

A história da Fazenda Palmeira tem início com o avô de Cornélia, o industrial suíço do ramo da tecelagem, Max Wirth. Quando jovem, visitou o Brasil e ficou encantado com o que aqui viu e com as possibilidades que poderia viver e empreender. Voltou ao país de origem, assumiu a tecelagem do pai, mas quando tinha 42 anos de idade, em 1922, vendeu tudo o que tinha e mudou-se para o Brasil, na região de Lins, interior de São Paulo, com a esposa e os sete filhos. “Às vezes a gente se questiona que bicho picou ele para gostar tanto daqui. Eu acredito que o que o atraiu foi um país de possibilidades. Como ele era empresário, via com certeza no café uma possibilidade de plantar um grão que sempre iria ser consumido. Ele foi um visionário neste sentido”, avalia a neta. 

Foi na década de 1940 que Wirth tomou conhecimento das terras férteis do Norte do Paraná e foi para a região em busca de terras próximas aos maiores rios e acabou adquirindo uma gleba de três mil alqueires. Era o início da Fazenda Figueira, que na segunda geração, na década de 1970, foi dividida entre dois irmãos, um ficou com a Fazenda Figueira e o outro com a Palmeira. 

O pai de Cornélia faleceu em 1975, mesmo ano da Geada Negra, em 1975, em um acidente automobilístico


Texto: Silvia Bocchese de Lima
Revista Fecomércio PR - nº 155
Fotos: Angellica Pastorelo, Gustavo Zazu e Ana Priscila Costa



Comentários

  1. Nossa que conteúdo cheio de conteúdo. "Johann Heinrich Pestalozzi, diz que o verdadeiro conhecimento não se trata de uma posse a ser mantida para si mesmo, mas deve funcionar como uma chama a ser compartilhada para iluminar o caminho de outros"

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