Seca. Geada. Fogo

 

Grande incêndio de 1963 - Acervo do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Junior

O estado do Paraná foi marcado, em 1963, por um dos piores incêndios registrados no Brasil e no mundo. Cerca de 10% do território foi consumido pelo fogo.


Um desastre climático. O Paraná foi cenário, em 1963, de um dos maiores e mais devastadores incêndios florestais do mundo. A combinação de baixas temperaturas, campos secos em decorrência de intensas geadas, forte estiagem, uso do fogo para limpeza e ampliação de propriedades e, até mesmo, queimadas criminosas resultaram na destruição pelas chamas de cerca de 10% do território paranaense. Dos 166 municípios existentes à época no Paraná, 128 cidades das regiões Norte, Central e dos Campos Gerais foram atingidas pelo fogo.

Grande incêndio de 1963 - Acervo do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Junior


Em mensagem apresentada em 1964 à Assembleia Legislativa do Paraná, pelo então governador Ney Braga, foram recordados os fenômenos que quase levaram o estado ao colapso. De acordo com o documento, o drama paranaense teve início com as intensas geadas que destruíram milhões de pés de cafés, algo em torno de 30% dos cafezais, reduzindo em mais de 70% a safra daquele ano, causando um prejuízo estimado em 15 bilhões de cruzeiros. “Quando parecia superada a crise, eis que se instala o fenômeno das sêcas, deixando de se verificar a precipitação de chuvas durante alguns meses, com efeitos perniciosos à produção agrícola e, até, à pecuária, além de impedir o abastecimento das represas movimentadoras de usinas hidrelétricas”, trazia o documento.


Grande incêndio de 1963 - Acervo do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Junior


DESTRUIÇÃO

A carta aos deputados estaduais pontuava também que “quando mais se faziam notar os males da longa estiagem, eis que o fogo inicia a sua terrível tarefa devastadora, produto da imprudência de alguns”. O fogo encontrou os fatores ideais para sua propagação: seca prolongada e plantações mortas pela geada. Com o auxílio dos ventos, rapidamente as chamas se propagaram, destruindo mais de 21 mil quilômetros quadrados de área no estado. O documento atesta que foram 110 os mortos, milhares de pessoas feridas, cerca de 30 mil pessoas foram atingidas pela calamidade e oito mil imóveis, entre casas, silos e galpões foram destruídos pelo fogo, além dos incontáveis animais que foram mortos. No livro Paraná: uma história, o jornalista Diego Antonelli pontua que foram devastados pelas chamas mais de 20 mil hectares de plantações, 500 mil de florestas nativas e 1,5 milhão de campos e matas secundárias.

Os números quanto às árvores perdidas são imprecisos, mas para se ter uma ideia da dimensão do fogo e sua destruição, os documentos oficiais do governo revelam que foram consumidos pelas chamas mais de 200 milhões de árvores na região de Tibagi e que cerca de 90% do município de Ortigueira foi queimado.


ÁREAS RURAIS E URBANAS FORAM ATINGIDAS PELAS CHAMAS

No Relatório da Operação Anujá, de 27 de setembro de 1963, o 1º Tenente Osmar Pedrosa Finkensieper relata que o Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Paraná foi acionado na cidade de Paranavaí, no dia 9 de setembro daquele ano para conter um incêndio de grandes proporções. “Constatamos que se encontrava em chamas a firma Hermes Macedo S/A, filial daquela cidade, que ameaçava as lojas circunvizinhas”, consta no documento.

Grande incêndio de 1963 - Acervo do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Junior


REPERCUSSÃO

A destruição no Paraná, o desemprego, problemas sociais e o contingente de desabrigados foram tamanhos que o governador Ney Braga decretou, em 28 de agosto daquele ano, estado de calamidade pública. A repercussão na imprensa brasileira e internacional resultou no envio de profissionais de saúde e de bombeiros, e no recebimento de doações de medicamentos, mantimentos, 30 toneladas de roupas, maquinários agrícolas e de recursos financeiros de diversos estados e países. A campanha Socorro ao Paraná em Flagelo, criada pelo governo do estado, recebeu de todo o mundo, mais de 245,2 milhões de cruzeiros.

A revista O Cruzeiro trouxe imagens e um balanço da tragédia paranaense, na edição de 12 de outubro de 1963, e destacou os estragos provocados à indústria Klabin, em Monte Alegre. “Suas reservas de pinheiros e eucaliptos foram violentamente atingidas. Era impossível o contrôle das chamas, apesar do serviço normal de vigilância e combate a incêndios mantidos pela firma e dos contingentes do Exército, da Fôrça Pública e do Corpo de Bombeiros que para lá se deslocaram. Cêrca de 3.500 homens combateram as chamas nessa área”, relata a reportagem da época.

Acredita-se que após pedido de ajuda do governador do Paraná, mais de 10 mil voluntários auxiliaram no combate ao incêndio.

Tragédia foi retratada na Revista O Cruzeiro, de outubro de 1963


QUEIMADOS

Segundo o diretor do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Junior, de Tibagi, Neri Aparecido Assunção, o Hospital Luiza Borba Carneiro, que havia sido inaugurado em Tibagi, em 1960 e que estava fechado nos últimos dois anos, foi adaptado para funcionar como uma Central de Queimados.

O médico Eugênio Carneiro, único da cidade, começou o atendimento aos feridos até o governo enviar profissionais para auxiliá-lo. “Amanhã seguirão médicos e enfermeiras da Guanabara e médicos e enfermeiras da embaixada americana para Tibagi”, trazia o jornal Correio do Paraná, de 10 de setembro de 1963, que pontuava as resoluções tomadas no atendimento aos feridos. Na mesma edição do jornal a nota do Serviço de Meteorologia de São Paulo informava que “a frente fria que causou fortes aguaceiros na Argentina e no Uruguai está se deslocando lentamente em direção ao norte do Continente, devendo alcançar o Paraná ainda hoje. Em Santa Catarina já está chovendo”. A previsão da chegada das chuvas sofreu atraso de pelo menos uma semana, mas foi a responsável por aplacar o fogo em 18 de setembro.

Hospital Luiza Borba Carneiro funcionou como uma central de queimados. Acervo do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Junior


Onze equipes móveis foram preparadas para iniciar a vacinação antitífica e antitetânica na população de todos os municípios atingidos pelo fogo.

O engenheiro agrônomo Armínio Kaiser, em testemunho no livro 1963: o Paraná em chamas, de José Luiz Alves Nunes, revela a face da tragédia que mais o impressionou enquanto fotografava os rescaldos das geadas e do fogo: a miséria. “A maior miséria foi depois do incêndio; o êxodo rural dramático. Se bem que a maioria das pessoas não se impressionou, porque a miséria [do trabalhador] é normal”.


OPERAÇÃO SEMENTE

Elaborado por técnicos do governo estadual, o Plano Operação Semente foi composto por 55 agrônomos, 300 funcionários administrativos, 120 viaturas e 250 postos de sementes e defensivos agrícolas. Cerca de 600 mil sacos de sementes de algodão, arroz, feijão, batata foram financiados aos agricultores paranaenses. “Foi dada orientação técnica aos lavradores, com a finalidade de diversificar suas lavouras e adotar novas técnicas agrícolas e pecuárias (…) Serão abertas novas perspectivas ao homem do campo, com a execução da programação elaborada”, destaca a mensagem aos deputados.

Áreas destruídas pelas chamas. Acervo Klabin


KLABIN

Referência no combate a incêndios na Região dos Campos Gerais, a Klabin criou um programa de combate e prevenção a incêndios. Em todo o estado, a empresa conta com cerca de 520 brigadistas treinados, incluindo equipes de bombeiros, além de 65 vigilantes que percorrem diariamente todas as áreas da companhia com motocicletas.

De acordo com dados enviados pela Klabin, a empresa possui 21 torres de observação para as suas florestas. “As torres de observação de alguns municípios são compartilhadas com outras empresas que também possuem propriedades no local, e ambas as empresas mantêm uma parceria de monitoramento das áreas”, destaca o documento.

A empresa também dispõe de aeronaves para reforçar a logística de confirmação de focos, transporte de brigadistas florestais e extinção de focos de incêndios. A Klabin também faz uso de técnicas de combate ao fogo e uso de dados meteorológicos.

Pós-incêndios, o reflorestamento. Acervo Klabin


APRENDIZADOS

O grande incêndio que marcou o estado do Paraná foi responsável pelo desenvolvimento de uma parceria entre o governo estadual e empresas para a criação de um sistema de alerta de incêndios florestais.

Nunes destaca no livro que, após uma década dos incêndios registrados no Paraná, o engenheiro florestal Ronaldo Viana Soares, com base em dados fornecidos pela Klabin, desenvolveu uma fórmula que permite medir o risco de incêndios em florestas: a Fórmula de Monte Alegre. Para chegar ao índice são analisados, por exemplo, o número de dias sem chuva e a umidade relativa do ar medida às 13h. “Uma das constatações que se chegou foi que as empresas mais que os governos, assimilaram muito rapidamente a necessidade da prevenção, aprimoramento, pesquisa e vigilância constante, para evitar repetições como aquela vivenciada em 1963”, enfatiza o autor na obra.



 Silvia Bocchese de Lima

Revista Fecomércio PR - nº 141




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