A empresa paranaense Disapel chegou a contar com 110 lojas espalhadas pela Região Sul do Brasil e São Paulo. O slogan traduzia a essência da empresa: a simpatia.
Apesar de compor um coletivo, algumas figuras são essenciais para o funcionamento harmônico de uma família, de uma empresa, uma organização. Assim como em uma orquestra, que tem a figura do maestro como fundamental, o comando das Lojas Disapel, tinha na pessoa do seu presidente, Paulo Turkiewicz, o cerne da empresa.
Os negócios iniciados pelo pai de Paulo, Mário Turkiewicz, no Paraná, têm relação com a chegada da TV no Brasil e a instalação de uma emissora em Curitiba, no início da década de 1960. A novidade fez com que a família de contadores decidisse investir na venda itinerante de televisores pelo estado. A ideia deu tão certo que em 1964 instalaram na capital do Paraná, na Praça Santos Andrade, a Distribuidora de Aparelhos Eletrodomésticos Ltda., e à lista dos produtos comercializados foram adicionados refrigeradores e secadoras de roupas. Desde o início da loja, os fundadores entenderam a necessidade de investir em publicidade e a primeira experiência foi totalmente exitosa. Os comerciais de geladeiras foram veiculados na Rádio Independência e todos os itens vendidos. Mário abandonou a contabilidade e investiu no comércio.
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Anúncio Alegria, veiculado na Revisa Veja – Vejinha Curitiba, em 1993 |
A Disapel passou a contar com outras duas lojas na cidade, uma na Rua Barão do Rio Branco e outra no bairro Novo Mundo. Foi no início da década de 1970 que há a primeira expansão da empresa, com a inauguração de filiais em Paranaguá, Ponta Grossa e Joinville, em Santa Catarina. Segundo o jornal Diário da Tarde, de 27 de março de 1971, a empresa passa de capital limitado para a categoria de Sociedade Anônima, com capital de dois milhões de cruzeiros – embora periódicos da época da decretação da falência, em 2000, a citem como empresa limitada. De um pequeno empreendimento no centro da capital paranaense, a Disapel se tornou uma das maiores revendedoras de eletrodomésticos do estado, com um total de 110 lojas espalhadas pelo Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo.
O MAESTRO
Nascido na gaúcha Santo Ângelo, Paulo Turkiewicz veio a Curitiba, ainda criança, para estudar. Graduou-se em Contabilidade, mas a sua real vocação era para o comércio. “O Paraná foi celeiro de grandes empresários, Paulo era um deles, com uma impressionante visão, como poucos. Muito antenado, ousado, ligado no 220V. Nasceu para o varejo, uma pessoa difícil de se encontrar, acima da média na área comercial, um expoente, audacioso”, descreve Elon César Isfer Garcia, responsável pelo planejamento de mídia da Disapel e hoje diretor da Elon Garcia Publicidade. Paulo também era sistemático, tinha uma rotina diária que fazia questão de cumpri-la religiosamente. Acordava às 5h30, uma hora depois já estava no clube para jogar tênis e ali permanecia até às 8h, pois o expediente tinha início às 9h e, ao meio dia, fazia questão de almoçar em casa. No início da tarde, retornava à empresa.
Quando o publicitário Elói Zanetti fala da timidez do paranaense ao se aventurar além do Rio Paranapanema – rio que divide os estados de São Paulo e Paraná –, certamente não fazia referência a Paulo Turkiewicz, que foi considerado o empresário do ano de 1994 no Paraná, destaque de vendas da marca CCE, em 1993 e, em 1992, em Paris, foi reconhecido como um dos dez maiores revendedores Philips no mundo. Além disso, a empresa foi a maior revendedora da marca Monark e responsável pelo lançamento nacional da Sundown. Na década de 1990, a Disapel era o maior grupo de varejo no Paraná, com faturamento que chegou a ultrapassar os US$ 500 milhões ao ano.
Como um maestro, Paulo tinha visão sistêmica, promovia a unidade de todo o grupo, transmitia o ritmo, dava o andamento e a expressividade da Disapel, unificava o pulso coletivo dos mais de 1.800 colaboradores.
IDENTIDADE
Walter Landor, um alemão especialista em marcas, afirmou que “os produtos são feitos na fábrica, mas as marcas são feitas na mente”. Um dos responsáveis por criar a identidade visual, sonora, e ser a própria voz e a imagem da Disapel, foi o publicitário Elon Garcia – pioneiro da comunicação no Paraná, e a primeira pessoa a aparecer em uma televisão no estado, o que ocorreu em 1960, quando da inauguração da TV Paranaense Canal 12.
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Elon Garcia – Imagem do acervo familiar |
Com uma voz única, Elon Garcia começou no rádio, em 1950, aos 16 anos de idade, como locutor e, na década de 1960, passou para área comercial da rádio, mas desde 1965, sua imagem e voz estiveram intimamente ligadas à marca Disapel. Ele foi, desde então, o marqueteiro e o garoto-propaganda da empresa durante toda a existência da rede. Como era autodidata em marketing, Elon fazia locuções, escrevia textos e, em 1971 inaugurou a Elon Garcia Publicidade. Foi criação dele slogans como “Disapel, a mais simpática”, de campanhas como a do “Apenas um beija-flor de entrada”, uma referência à nota de um real que trazia estampada a figura do passado na cédula, jingles que ainda hoje são lembrados e, claro, as linhas de móveis que apenas a Disapel ofertava. “Trabalhar o simples é difícil e, com toda a sua simplicidade, ele era um gênio. Tinha sacadas impressionantes e desenvolveu campanhas homéricas. Ele dizia que queria fazer uma ‘publicidade que todos pudessem entender’, e conseguiu”, avalia o filho, Elon César.
A simpatia era marca registrada da Disapel. Elon Garcia, ao criar o slogan, expressou em palavras o que estava presente no DNA da empresa. “Na época, os slogans frisavam as qualidades de maior isso, melhor aquilo. Na verdade, ainda hoje vemos muito disso. Meu pai queria algo que fosse interessante para os públicos interno e externo, e como era premissa que os vendedores da Disapel atendessem bem e fossem simpáticos com qualquer comprador, aí surgiu o slogan. Repito, a simplicidade é essencial na comunicação”, pontua.
PUBLICIDADE
A Disapel realizou constantes e vultosos investimentos em publicidade. Na década de 1990, eram produzidos 12 comerciais todas as semanas, anúncios eram veiculados em 90 rádios, 45 televisões, 13 jornais e eram impressos, a cada quinzena, 1,5 milhão de tabloides. Durante 16 anos, à época com 30 pontos de audiência ao meio-dia, a Disapel anunciava diariamente no Globo Esporte.
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No período de inflação galopante que a economia brasileira viveu nos anos finais da década de 1980 e iniciais da de 1990, Elon Cesar conta que eram preparados anúncios para vendas de uma televisão, por exemplo, com valor de Cz$ 100 na segunda-feira, Cz$ 115 na quarta e Cz$ 140 na sexta-feira.
Elon Cesar foi um dos pioneiros em planejamento de mídia. O trabalho desenvolvido pela Elon Garcia Publicidade junto à Disapel, o uso adequado e comprovado da verba cooperada – aquela utilizada para divulgação das lojas e dos produtos e dividida meio a meio entre fornecedores e lojistas –, rendeu à agência o reconhecimento espontâneo por parte da fábrica Bicicletas Monark. “Parabenizamos pelo excelente trabalho de comunicação desenvolvido junto à parceria Disapel/Monark. O mercado nacional é carente de trabalhos deste nível no varejo. O equilíbrio conseguido na exposição tanto do produto/fabricante quanto da casa comercial reflete sobre o consumidor, maior respeitabilidade e credibilidade para ambas as empresas. Além da perfeita utilização das técnicas de comunicação”, dizia correspondência assinada por Sérgio Silveiro, diretor de Propaganda e Promoções da Monark.
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DIFERENCIAIS
A Disapel tinha como foco vender móveis e eletrodomésticos para as classes populares e ajustou sua linguagem e forma de se comunicar com o público a este objetivo. A rede não possuía fabricação própria, ao contrário, comercializava os mesmos produtos que as lojas concorrentes, mas com um diferencial, batizava e oferecia linha de móveis com nomes próprios o que levava o público a buscar pelo produto que “apenas” a Disapel ofertava. Os nomes dos itens iam de bicama Leleca, passando por colchão Amoroso, estante Dirce Reis, copa Belatriz ao fogão Sambim. “Para criar um diferencial, meu pai dava nomes aos produtos comercializados. Ele criou toda uma linha de móveis Dirce Reis que ficou muito famosa. Eram armários, estantes, colchão. As pessoas chegavam a ligar na Disapel para falar com a Dirce Reis. As indústrias compraram a ideia e o produto saía da fábrica com etiqueta, logo da Disapel e o nome dado. Era exatamente o mesmo produto que você poderia encontrar na concorrência, mas os clientes buscavam pelo colchão Dirce Reis”, lembra.
Em parceria com o jornal Tribuna do Paraná e o Grupo Paulo Pimentel, na década de 1990, foi criada a campanha Caminhão de Prêmios da Disapel. Durante três meses foram realizados sorteios semanais e sorteados 36 clientes que receberam caminhões repletos de prêmios, que chegavam a US$ 10 mil. A premiação não estava atrelada à compra, mas se o sorteado, no momento da entrega dos prêmios, apresentasse um carnê da Disapel, ou a nota fiscal de uma compra realizada na loja, levava no ato mais mil reais em dinheiro. Ao término da campanha, foram recebidos mais de um milhão de cupons.
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Elon Garcia Isfer Garcia - Crédito imagem: Bruno Tadashi |
TRAGÉDIA
Aos 55 anos de idade, Paulo Turkiewicz foi uma das cinco vítimas fatais de um trágico acidente aéreo, ocorrido em junho de 1997, na cidade de Guaratuba, litoral paranaense. No acidente também perderam a vida o piloto Jairo Batista, o co-piloto Luiz Carlos Burin, o supervisor de vendas da Cônsul na Disapel, Cézar Faraco, e o diretor comercial da Disapel, Ézio Alquini.
Em uma nova analogia de empresa com orquestra, Ézio Alquini seguramente seria o spalla, o músico responsável por todos os demais, o último músico a entrar no palco, aquele que se assenta à esquerda do maestro e o único que o cumprimenta e que pode vir a substituí-lo. Garcia conta que Paulo chegou a procurar no mercado diversos executivos para auxiliá-lo na função e o Ézio foi quem melhor se adaptou. “Ézio havia sido presidente da Cônsul, diretor da Artex, uma pessoa muito bem preparada. Quando o acidente aéreo ocorreu, Paulo, o maestro, morreu. Infelizmente não tinha ninguém à altura para substituí-lo e, em três anos, a empresa acabou. Se Ézio não tivesse morrido no acidente, talvez fosse ele a pessoa que viria assumir a presidência, exercer a função de CEO da Disapel, pois tinha a confiança dos fornecedores e era peça-chave dentro da empresa.”
A presidência da Disapel foi assumida pelo filho de Paulo, Paulo Gustavo, há época com 26 anos. Paulo Gustavo começou a cursar Administração e Economia, a se inteirar dos assuntos da empresa e ser preparado para a sucessão aos 19 anos de idade, quando auxiliava na área de tecnologia na Elon Garcia Publicidade, acompanhando o desenvolvimento de programas de planejamento de mídia. Depois de três anos, foi trabalhar na sede administrativa da Disapel e passou por diversos departamentos e foi também uma espécie de ombudsman da empresa, atendendo, principalmente, o pós-venda. “Paulo Gustavo trabalhou em diferentes áreas da empresa mas não deu tempo de acompanhar o pai na liderança. Ele era extremamente competente, um excelente administrativo, mas aquele feeling para o varejo ainda lhe faltava. Quando Paulo faleceu, todos fomos pegos de surpresa e o filho, ainda muito jovem, não estava preparado o suficiente para assumir a empresa”, revela Garcia.
PLANO REAL E DECLÍNIO
Em 1998, a economia brasileira passava por período de mudanças, com a recente implantação do Plano Real, o câmbio flutuante, o dólar – que era cotado a R$ 1,00 logo chegou a R$ 2,50 –, e a Selic, a taxa básica de juros, alcançou 49,75%. As empresas que antes dispunham de um prazo para pagamento de 300 dias junto aos fornecedores viram este tempo ser reduzido para 90. “Foi um boom muito violento. Isso afetou principalmente as grandes empresas. Era preciso arrumar dinheiro em um prazo muito mais curto, houve um total descompasso da economia, que afetou não apenas a Disapel, mas todo o mercado, e essa situação ocorreu justamente na fase de troca de administração”, lembra o publicitário.
Foi a partir da implantação do Plano Real que muitas instituições empresariais e associativistas brasileiras sofreram forte abalo, é o que destaca o presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR, Darci Piana. “Acostumadas a viver da aplicação financeira de suas receitas, viram a fonte secar da noite para o dia. Literalmente, porque as operações overnight, responsáveis por ganhos expressivos entre o fechamento dos bancos e sua reabertura na manhã seguinte, foram extintas no processo de enxugamento da economia. Nos anos seguintes, marcas expressivas como Bamerindus, Banestado, Hermes Macedo, Disapel, Farmácias Minerva e outras, desapareceram”, pontua Piana.
Com débitos acumulados em mais de R$ 150 milhões, sem crédito na praça e sem conseguir repor mercadorias, a Disapel Eletrodomésticos Ltda. entrou em concordata em janeiro de 1999 e teve a autofalência decretada em junho de 2000. O Grupo Ponto Frio, que há época contava com 347 lojas de eletrodomésticos espalhados pelo Brasil, arrematou e assumiu as 81 lojas da Disapel que ainda estavam em funcionamento, por R$ 12,1 milhões.
Silvia Bocchese de Lima
Revista Fecomércio PR - nº 140
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