Paraná com sotaque alemão

A primeira metade do século XIX foi marcada por inúmeros ciclos migratórios. Depois dos africanos e dos portugueses, os alemães foram os primeiros imigrantes a colonizar terras paranaenses


Guimarães Rosa certa vez escreveu que o bonito no mundo era, justamente, a diferença. Para ele, alguns fatos possuem lentas modificações, visíveis ou perceptíveis somente ao longo do tempo. A cultura brasileira, no sentido mais amplo da palavra, resultado de um conglomerado de valores, costumes, língua, vestimentas, hábitos, é produto de distintas influências e que podem ser percebidas no passar dos anos.
Os alemães – primeiro grupo de imigrantes que chegou ao Brasil depois dos portugueses e dos africanos –, são responsáveis por marcas culturais que passam dos embutidos ao chopp, das cucas às
tortas e ao curitibano Bar do Alemão (Scharzwald, Floresta Negra é o nome original) e de Martinho
Lutero a Ludwig van Beethoven e aos irmãos Grimm.

OS PRIMEIROS
Em 1829, o primeiro grupo de alemães chegou ao Paraná, em Rio Negro, a 111km da capital paranaense. Mas foi em março de 1855, no governo de Zacarias de Góes e Vasconcellos, primeiro presidente da província do Paraná, que foi assinada a lei que autorizava o governo a promover a emigração de estrangeiros para o estado. “Empregando, neste sentido, os meios que julgar mais convenientes, e preferindo sempre atrair os colonos e demais estrangeiros que se acharem em qualquer das províncias do Brasil”, diz o texto da lei.
De acordo com a autora de Famílias do Velho Mundo no Comércio do Paraná, Niroá Glaser, o Brasil
recebeu de 1819 a 1947 o montante de 4,9 milhões de imigrantes, deste total, 363 mil pessoas de língua alemã. “O estímulo, contudo, à imigração é posterior a 1834, quando pelo Ato Adicional, o estabelecimento de novas colônias foi entregue à competência das províncias. Eles trouxeram força
de trabalho, capital e, principalmente, civilização. Auxiliaram a construção de nosso país e contribuíram para formação de nossa sociedade, com forte influência nas artes, nas construções, na política e na economia”, revela Niroá.

363 MIL
PESSOAS DE LÍNGUA
ALEMÃ CHEGARAM
AO BRASIL DE
1819 A 1947

ALEMÃES DO VOLGA
Quando a czarina russa Catarina II acordou com os alemães a ocupação das margens do Rio Volga,
na segunda metade do século XVIII, foram dados aos imigrantes garantias como liberação do serviço militar, a não cobrança de impostos, liberdade de locomoção e autonomia. Gradativamente, este grupo perdeu os direitos adquiridos e acabou sofrendo com medidas discriminatórias. A adoção do regime comunista, em 1917, por Lênin e, em 1924, por Stalin, naquelas terras foi um impulso
à nova migração. O livro De Marienthal (Alemanha, Rússia) a Mariental (Lapa, PR): memórias da emigração dos alemães do Volga, 1878-2008, de Estevão Müller, destaca que antes da imigração para o Brasil, uma comissão formada por cinco pessoas permaneceu no país de setembro de 1876 a janeiro de 1877, com as despesas pagas pelo governo brasileiro. O objetivo era averiguar terras próprias para o cultivo do trigo. Após a viagem, o grupo retornou à Rússia e, em abril do ano seguinte, a bordo do navio cargueiro Santos, em uma viagem que durou 28 dias, 21 famílias de alemães do Volga chegaram ao Rio de Janeiro. Em embarcações menores tentaram desembarcar em Paranaguá e em
Antonina, mas um surto de febre amarela os impediu. A viagem foi estendida até Vila de Morretes,
pelo Rio Nhundiaquara, onde desembarcaram.
Após o período de quarentena, o grupo foi liberado pelas autoridades brasileiras a subir a Serra do
Mar, seguindo à Lapa, onde fundaram a Colônia Mariental, em referência à comunidade católica
alemã de origem. Trecho do Jornal O Paranaense, de 7 de abril de 1878, relata sobre a epidemia que
já assolava o Brasil no fim da primeira metade do século XIX.“A febre amarella está fazendo estragos em Paranaguá. Mais de cincoenta individuos acham-se attacados d´esse mal, faltando lhes os recursos medicos, pois os dois facultativos existentes já não podem atender a todos os chamados”. [grafia original].


179 ANOS
DA IMIGRAÇÃO
ALEMÃ NO
PARANÁ.


COMÉRCIO DO PARANÁ
Pioneiros também ao se estabelecerem em centros urbanos e arredores, os imigrantes de língua
germânica – alemães, suíços, austríacos, morávios – foram responsáveis pelo desenvolvimento do
comércio da capital e do Paraná. “Em Curitiba, no século XIX e primeiras décadas do XX, eram
donos de casas comerciais especializadas em ferragens, louças e artigos domésticos, armamentos, instrumentos agrícolas, relojoarias e leiterias, como a da Família Schaffer, com prédio localizado na rua XV de Novembro”, enfatiza José Luiz de Carvalho e Aimoré Índio do Brasil Arantes, no livro O Comércio no Paraná: uma história de conquistas.
Os alemães dominaram o comércio curitibano por décadas. Iwersen, Kopp, Hauer, Haupt são alguns dos sobrenomes popularizados como nomes de lojas em Curitiba. Casa Christoffel Gaensly, especializada em fazendas para lutos; Casa Glaser – que em 2018 comemora 131 anos de fundação e é o comércio de rua mais antigo do Paraná –, Casa Crystal Wendler, que realizava vendas por atacado
e a varejo de cristais, louças e vidros, são exemplos da variedade e da importância do comércio fundado por imigrantes no estado.

PRINCIPAIS FESTAS POPULARES
Münchenfest: Desde 1990, entre os meses de novembro e dezembro, a cidade de Ponta Grossa promove a Münchenfest, a festa do chopp escuro.

Oktoberfet: Tradicional na Alemanha, a festa é realizada em outubro e engloba tradições folclóricas,
danças, comidas típicas alemãs e chopp. No Paraná, Marechal Cândido Rondon, Pato Bragado e
Rolândia promovem anualmente a festa.

Bucovina Fest: A festa é uma homenagem aos imigrantes bucovinos que chegaram a Rio Negro no
período de 1887 a 1888. Apresentações folclóricas, jantar dançante, missa de ação de graças e almoço
típico marcam a programação, nos meses de julho.


PRINCIPAIS NÚCLEOS
COLONIAIS ALEMÃES
NO PARANÁ
• 1829: Rio Negro
• 1860: Cerro Azul
• 1869: Curitiba (Colônia Argelina)
• 1870: Curitiba (Pilarzinho)
• 1873: Curitiba (Abranches)
• 1878: Ponta Grossa, Palmeira e Lapa (diversas colônias)
• 1896: Prudentópolis (vários núcleos)
• 1908: Irati (Colônia Gonçalves Junior)
FONTE: Livro "O Comércio do Paraná: uma história de conquistas"


Bosque do Alemão, em Curitiba
BOSQUE DO ALEMÃO
Em Curitiba, em uma área de 38 mil metros quadrados, no bairro Vista Alegre, está localizado o
Bosque do Alemão, antiga propriedade da família Schaffer. No local onde funcionou uma leiteria tem-se hoje uma homenagem à cultura alemã, com referência ao compositor clássico Bach, uma réplica de uma igreja presbiteriana, torre de observação e um percurso na mata que conta a história de João e Maria, personagens dos irmãos Grimm. A história da família foi contada em livro por um de seus mais notáveis integrantes, o falecido geólogo João José Bigarella, Schaffer pelo lado materno.
A colonização alemã em terras paranaenses foi pródiga, muito devido aos cuidados tomados na
organização dos empreendimentos. “Junto com os imigrantes vieram médicos, naturalistas, engenheiros, músicos, professores, agrônomos, que ajudaram, aconselharam, administraram e dirigiram as colônias”, Bigarella no livro Fragmentos Étnicos.

CONCÓRDIA, DUQUE DE
CAXIAS E CORITIBA
Inaugurado em 1887, por imigrantes alemães, e tendo com a proposta a valorização do canto e do estudo musical, Deutscher Sängerbund era o nome do edifício que foi sede do Clube Concórdia. Desde 2012, a partir de incorporação pelo Clube Curitibano, a edificação abriga uma das sedes
sociais do Clube.
Outros clubes também são produto da iniciativa alemã. O atual Clube Duque de Caxias foi fundado em 1890 com o nome de Teuto Brasilianischer Turnverein.
O mais famoso deles é o Coritiba Football Club, cujo nascimento deu-se, bem a propósito, no Teatro Hauer em 12 de outubro de 1909. O novo clube foi gerado como uma espécie de costela extraída do Turnverein, mais voltado aos hábitos alemães da ginástica e da música do que ao futebol. Seus fundadores já traziam os efeitos da miscigenação ocorrida na nova pátria, visto que o primeiro presidente foi João Vianna Seiler. Mas o craque do time era Frederico Essenfelder, o Fritz. Nada mais alemão que um Fritz.

Texto: Silvia Bocchese de Lima
Revista Fecomércio PR - nº 122
Imagens: Banco de Imagens




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