Sabor e riqueza paranaenses

Barbaquás eram fornos utilizados para secar a erva-mate
Considerada o ouro verde paranaense, a erva-mate foi o segundo mais importante ciclo econômico
do estado, responsável pelo desenvolvimento do Paraná, pela construção de importantes
estradas, pelo surgimento dos barões do mate e pela autonomia da província

O Paraná ainda era província de São Paulo, acabara de viver o auge do ciclo econômico da pecuária,
o comércio havia se desenvolvido a partir do tropeirismo e as primeiras pousadas, restaurantes e
comunidades tinham sido criadas no Caminho de Viamão. A produção e o comércio da erva-mate estavam em ascensão no ano de 1820, quando o botânico francês August de Saint-Hilaire, em visita a Curitiba, reconheceu que o nome da erva por ele batizada de Ilex paraguariensis, quando em expedição ao Paraguai, deveria se chamar Ilex brasiliensis, uma vez que no Paraná era possível encontrá-la em maior quantidade e em melhor qualidade.

Mas foi após o desmembramento do Paraná da Província de São Paulo, em 1853, que a erva-mate tornou-se um dos pilares da economia da nova província e o principal produto de exportação. De acordo com o escritor e jornalista Samuel Guimarães da Costa, autor de A Erva-mate, no período de 1866 a 1874 o Paraná exportou um total de 108.434 toneladas de erva-mate, reforçando a importância econômica que a cultura teve para o estado.

Ápice
Nego Miranda e Teresa Urban revelam em Engenhos & Barbaquás que, motivada pela Guerra do Paraguai, a Argentina deixou de importar erva-mate paraguaia, e desde a segunda metade do século XIX, despertou o interesse pelos grandes ervais nativos do Paraná.
O ápice da cultura da erva-mate no estado ocorreu nas primeiras décadas do século XX e a economia
estava alicerçada, basicamente, na extração, industrialização e comercialização do produto. A Junta Comercial do Paraná (Jucepar) desde a sua criação, em 1892, providencia o registro das empresas e das marcas que elas representam. O produto erva-mate era tão relevante, que das 32 primeiras marcas registradas, no período de nove anos, 21 eram referentes ao mate.

Em 1928, o total da produção do mate brasileiro destinado tanto para os mercados interno quanto externo foi recorde, atingindo 88.180 toneladas; o Paraná era responsável por mais de 83% da produção, chegando a 73.605 toneladas do produto. O desenvolvimento do Paraná pela extração e exportação da erva-mate resultou na criação de importantes vias de acesso, como a Estrada da
Graciosa, ligando o primeiro planalto paranaense ao litoral do estado; a inauguração em tempo recorde da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, e estabeleceu o Rio Iguaçu como via de navegação.

Produção da erva-mate
O Centro-sul do estado era o centro da produção da erva-mate, com destaque para os municípios de
Guarapuava, Palmeira, Palmas, São Mateus do Sul e União da Vitória. Os engenhos para beneficiamento da erva estavam localizados nas cidades de Antonina, Curitiba, Lapa, Paranaguá, Ponta Grossa e União da Vitória.

Para a pesquisadora e mestre em Ciências Sociais Aplicadas, Neri França Fornari Bocchese, o ciclo da erva-mate no Paraná, principalmente na região Sudoeste do estado, foi o princípio do que hoje se conhece como Mercosul. “Em Pato Branco, o argentino Luiz Pastoriza, primeiro empresário a se fixar na cidade, era proprietário de vários barbaquás e empregava caboclos locais para a extração da erva-mate. Especialistas da Argentina e do Paraguai foram trazidos por ele para fazer o manejo. As tropas de Pastoriza levavam a erva para a Argentina, Paraguai e Uruguai e voltavam carregadas de ferramentas, sal, remédios, água de cheiro, tecidos. Era, certamente, o começo do Mercosul”, revela.
A presença argentina em terras fronteiriças do Sudoeste, pela exploração da erva-mate e da madeira, prolongou-se até meados da década de 1930.

Homem de negócios
Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, foi um dos mais importantes empresários do Paraná, proprietário de um engenho de erva-mate e serrarias. Dono do engenho Tibagy, levou a marca Ildefonso a exposições internacionais, com o intuito de atrair o interesse dos mercados europeus. Como comerciante, tornou-se o maior exportador paranaense do mate e de pinho aos países platinos e o maior produtor de erva-mate do mundo. Foi presidente da Câmara Municipal de Vereadores de
Curitiba, deputado provincial e vice-presidente da Província do Paraná.

Correia também contribuiu para a consolidação de Curitiba e sua modernização, instalando na capital, o telégrafo e uma indústria gráfica. O barão foi condecorado diversas vezes, ainda em vida e, durante a visita do Imperador Dom Pedro II ao Paraná, o casal Serro Azul causou simpatia ao monarca.
Foi acusado de trair a Pátria, ao patrocinar revoltosos do Rio Grande do Sul, durante a Revolução Federalista, com dinheiro arrecadado junto aos comerciantes, concedendo um empréstimo de guerra
e agindo contrário ao governo de Marechal Floriano Peixoto. Segundo relatos históricos, em 1894,
antes de chegar ao julgamento que seria submetido, no Rio de Janeiro, o Barão do Serro Azul foi morto a tiros, no km 65 da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, por ordem do general Ewerton Quadros.


Identidade paranaense
Leonor, Yayá, Teresita, Zacarias, Pura Maria, El Toro, Ypiranga foram algumas das marcas de erva mate comercializadas no Paraná e destinadas à exportação, mas certamente, uma das mais importantes foi a Matte Leão, fundada por Agostinho Ermelino de Leão Junior, em Curitiba, em 1901. A empresa liderou o mercado de erva-mate no Brasil e se tornou uma das maiores empresas
paranaenses. A empresa inovou na forma de comercializar o produto e, a partir da década de 1930, vendia a erva torrada, com o slogan, “Use e abuse, já vem queimado”. Vinte anos depois, a empresa passou a comercializar o chá pronto para beber, em copo lacrado. Há dez anos, a marca Matte Leão foi comprada pela Coca-Cola.

Instituto Nacional do Mate
Foi na Era Vargas, em 1938, que devido a importância que a erva-mate possuía que foi criado o Instituto Nacio
nal do Mate, tendo como função “promover a política de defesa e expansão do mate no país e no estrangeiro”.
Segundo Miranda e Urban, a criação do instituto também marcou a intervenção do Estado no setor e foi extinto, em 1967, no início da Ditadura Militar.

Declínio
O ciclo econômico da erva-mate entra em crise no fim do século XIX e início do século XX, quando a Argentina, um dos principais mercados consumidores, passou a produzir o produto. A queda da Bolsa de Nova Iorque e II Guerra Mundial também influenciaram as exportações e, na década de 1940 entra em cena o ciclo do café que passou a receber grande parte dos investimentos antes destinados à erva-mate.
De acordo com a última Pesquisa da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015 foram produzidas no Paraná 292.891 toneladas de erva-mate, movimentando R$ 354.197.000 como valor de produção.

Araucária e erva-mate
Plantas irmãs. Foi assim que antigos indígenas identificaram a erva-mate e o pinheiro araucária. Miranda e Urban citam que naturalistas cruzaram o território paranaense nos séculos XVII e XVIII e classificaram a erva-mate como “uma planta que gosta particularmente da companhia e do abrigo das
araucárias”.
A relação entre as duas espécies excede às áreas nativas de florestas, passam pelos ciclos econômicos da erva-mate e da madeira, chegando aos símbolos do estado, representadas lado a lado na bandeira e no brasão do Paraná. Foi o comércio da erva-mate que abriu caminho para a exploração do pinheiro
e a redução das áreas nativas de erva-mate foi proporcional ao avanço das madeireiras.

Curiosidades
• O hábito de consumir a bebida no início do século XVII era proibido e foi considerado alucinógeno
por padres jesuítas.
• Os índios foram os primeiros a consumir a erva-mate no chimarrão e como chá.
• Barbaquás eram fornos utilizados para secar a erva-mate.
• A palavra mate é derivada do termo quéchua – família de línguas indígenas da América do
Sul –, que designa o recipiente onde é bebido chimarrão.




Texto: Silvia Bocchese de Lima
Fotos: Bruno Tadashi, registradas a partir do acervo do Museu Paranaense
Revista Fecomércio PR - nº 118

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