A arte de transformar conceitos em esculturas

Nas ruínas de um antigo britador desativado há décadas, no alto da Zona Sul, em Pato Branco, o artista plástico Sinésio Pereira Chueiri, o Kalu, instalou seu ateliê e sua residência. O local, escolhido para a nossa entrevista, mais parece um trabalho a ser concluído por Vik Muniz. Com um pé direito alto, o lugar apresentava abundância de sucata de metais, resíduos de madeira, argila e pó, muito pó – matérias-primas de suas obras.

De simpatia rara e didática reservada aos bons mestres, Kalu recebeu-me e logo apresentou um busto de mulher sobre a mesa, quebrado em diversas partes. A peça, uma de suas obras, agora transformada em várias, foi um troféu entregue a uma empreendedora. A fragmentação foi resultado do erro de cálculos e da falta de atenção de uma auxiliar doméstica ao retirar a poeira acumulada sobre o objeto. Como um ourives, Kalu passou a dar atenção ao trabalho que exigia precisão, enquanto conversávamos. Ao invés de metal precioso, o artista separou resina, cola e pó de café usado e seco ao sol para cumprir o desafio de encontrar o tom amadeirado adequado e semelhante ao da peça original.

Kalu Chueiri
Aos poucos o artesão, o tímido, foi revelando-se e compartilhou que a paixão pela arte de esculpir começou ainda na infância, no Norte do Paraná, enquanto brincava com a argila - material que anos mais tarde despertaria novamente seu interesse.

Com a herança artesanal do pai, um profissional sapateiro de descendência libanesa, Kalu aprendeu a trabalhar com o couro, habilidade que o permitiu vender muitos sapatos, bolsas e acessórios em feiras hippies, de Londrina e Rolândia.

Graduado em Educação Física, ele chegou ao Sudoeste quando ainda era acadêmico e por lá ficou depois de formado. Foi a abundância de madeira de imbuia na região que o levou a desenvolver agilidade no entalhe, um passo antes da escultura. Hoje, seus trabalhos aproximam-se do acadêmico, resultado de sua especialização em Arte e Educação e são uma mescla de diferentes escolas, passando pelo clássico, surrealismo e chegando ao realismo. “Opto pelas formas abstratas porque configuram a escola do meu tempo, isto é, o diferente é o que instiga o questionamento no espectador da obra”, diz.

Foi em 1990 que Kalu começou a fazer esculturas. Um ano depois, ao participar de uma mostra nacional, promovida pela Casa João Turin, de Curitiba, foi premiado. Por sua vocação educacional e com o intuito de alfabetizar as crianças em aulas de Educação Física, Kalu foi colaborador do projeto do Currículo Básico para escolas públicas do Paraná, baseado na orientação pedagógica de Paulo Freire. 

Chueiri é especializado em arte pública, e a região Sudoeste o adotou como seu artista principal. Prova disso são as inúmeras obras presentes nos mais diversos municípios. “Prefiro as esculturas públicas, aquelas que as pessoas podem ver e tocar. Este é um gratificante desafio, ao despertar no público interesse, dúvidas e críticas”, enfatiza. 

Adepto do abstrato, Kalu utiliza com frequência a pedra moura na confecção de suas esculturas. Este é um dos materiais encontrados com fartura nas terras sudoestinas e pouco aproveitadas para produção de trabalhos artísticos. Outra riqueza natural é a abundância de argila no solo de Pato Branco.

Apesar de ser avesso às questões burocráticas, Chueiri é um artista politizado, atento às questões públicas e sociais. Ele defende a necessidade de aplicação de políticas públicas e culturais próprias para o desenvolvimento do artesanato e salienta que para a atividade ocorrer em qualquer lugar são imprescindíveis três elementos: matéria-prima abundante, pessoal qualificado e escoamento da produção. Ele acrescenta, ainda, um elemento imaterial, a vontade política. “As ações assistencialistas em qualquer cidade, ou em qualquer lugar, são as que mais impedem o fomento da produção artística e artesanal, pois elas são paternalistas”, avalia.

Sem querer provar nada a ninguém, da mesma maneira que mistura produtos e materiais, Kalu alia o tema com a mensagem que quer transmitir. Tanto é verdade que suas obras não são tituladas, permitindo a livre interpretação, baseado no repertório e no contexto em que o público está inserido. “Arte não é charada. Imprimo na minha obra meus conceitos e valores. No trabalho que eu faço coloco a minha emoção e o público colocará a dele. A arte fala por si”, pontua o artista.

Para identificar suas produções, Kalu ressalta que as categoriza por épocas e por locais onde as produziu. Há oito meses, aguardava ansioso a mudança para o novo ateliê e isso pode ser visto em seu trabalho. “As mudanças são recomeços, são novos pontos de partida”, destaca. No espaço atual, o artesão tem a sua disposição novas matérias-primas, diferentes sonhos e amadurecimento profissional e pessoal.

Apesar de deixar o público entender por si só o significado da obra, o artista revela uma pitada de decepção quando por um motivo qualquer sua obra é alvo de vandalismo ou, ainda, quando ganha uma denominação pejorativa. E isso ocorreu com um dos seus trabalhos mais queridos. Chueiri, um bom contador de histórias, revela que ainda criança, em Ibaiti, havia uma beneficiadora de café que fazia a torra do produto de maneira artesanal, com o o grão in natura que os produtores entregavam no local. Anos mais tarde, já adulto, retornou à terra natal e a antiga fábrica era agora um escritório de desenvolvimento de softwares. Esta mudança o inspirou. Ele produziu a escultura de um agricultor, sobre forma circular, equilibrando uma enxada nas mãos. “A ideia era representar a passagem do artesanal para o tecnológico, sem perder o primeiro de vista”, salienta. O que Chueiri desconhecia era uma figura folclórica na cidade, que capinava terrenos e andava sempre acompanhado de uma enxada, chamado por todos de “Lebrão”. À obra, não restou outro apelido.

Ciente de que a iniciativa privada tem tomado para si, muitas vezes, a responsabilidade que cabe ao poder público pelo desenvolvimento de ações culturais e educativas, Kalu revela um mecenas de seus trabalhos. O empresário patobranquense Claudio Petrycoski é um dos importantes incentivadores dos artistas da região e com seu apoio poderá concretizar um antigo sonho. No mesmo local onde hoje mora e tem seu ateliê, Chueiri implantará uma galeria de arte. O próximo passo a ser dado é ter a própria fundição. 

Repete conceitos dos grandes pensadores, como se também fosse um dos filósofos. Destaca que “não existe ciência se não houver corpos. Não existe religião se não houver fé e não existe arte sem emoção”. E é quando a emoção entra que em cena que o artista não segura as lágrimas. Escondida em meio aos metais e maquinários, coberta de plástico, Kalu mostra uma obra ainda inacabada. Foi a argila que ele utilizou para prestar uma homenagem ao amigo de infância, Ronald Ravedutti. Há pouco mais de dois anos, o então presidente da Copel sofreu um acidente de carro e faleceu quando voltava de uma visita a uma usina hidrelétrica. Na obra, Kalu optou por não reproduzir o executivo bem sucedido, mas o amigo Tato - goleiro do time que jogava no campinho de futebol, representado enquanto fazia a ponte na defesa do gol. “Apesar de ser um tema recorrente, as duas figuras foram vitoriosas e eficientes nas tarefas que se propuseram a desempenhar. Agarrou a bola e fez direito a missão que haviam dado a ele”, explica.

Kalu está prestes a viver uma nova experiência que influenciará seu trabalho: em março, fará sua primeira viagem à Espanha. Como o deus grego Hermes, representado em um de seus trabalhos, pretende ser o responsável por conduções de novas informações e conhecimento.

Silvia Bocchese de Lima
Revista Helena

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