Um museu para o comércio

 Terceiro museu do Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná é inaugurado em Curitiba

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"Central, por favor, me coloque em contato com a Loja Hermes Macedo da João Negrão!”. O pedido – comum na primeira metade do século XX – era recebido pela operadora telefônica e transmitido à telefonista da loja, que fazia transferência ao ramal desejado, conectando cabos a ramais em um grande aparelho de madeira. Toda esta operação, que poderia demorar minutos, ou até mesmo horas, para ser concretizada, hoje é resolvida em segundos, em um aparelho celular, sem intermediários e na palma da mão. As quatro operações que são facilmente calculadas em um teclado de 10 teclas numéricas, eram realizadas em pesadas máquinas de até 80 teclas, que possuíam unidades, dezenas e centenas e uma complexidade para operá-las. Livros-caixa que eram preenchidos à caneta de pena, que necessitava ser mergulhada em tinteiro para absorver a tinta, usar o mata-borrão para secar rapidamente a tinta fresca no papel, tudo substituído por arquivos digitais. Utensílios comuns utilizados por comerciantes e comerciários em suas atividades laborais, principalmente no século passado, essenciais para o desenvolvimento diário das tarefas de trabalho, hoje estão obsoletas, entretanto não perderam o seu valor e continuam a contar histórias.

Relógio de Ponto em Gabinete utilizado
nas décadas de 1950 e 1960. Doação de João Manne


SONHO ANTIGO

Para não deixar que estas histórias e objetos sejam perdidos e para celebrar o Dia do Comerciário, em 30 de outubro, o Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná inaugurou, no segundo andar do Sesc da Esquina, o Museu do Comércio. Desde 2007, o Sistema vem compondo um importante acervo com itens, documentos, objetos e fotografias de comerciantes de todo o Paraná, cedidos ou doados à instituição por particulares, empresários, associações e sindicatos empresariais. O novo espaço foi pensado e preparado para preservar a cultura do comércio paranaense; trazer curiosidades, documentos e maquinários sobre os mais diversos segmentos comerciais, receber exposições, eventos e a visitação do público.

Central telefônica foi doada pela família do empresário Hermes Macedo


Para o membro da Academia Paranaense de Letras, Ernani Buchmann, o comércio é reflexo da sociedade, do seu desenvolvimento e serve para dar conforto às pessoas. “Não é possível fazer uma análise de uma comunidade sem que o comércio esteja num ponto central, nevrálgico de qualquer sociedade. E o Museu do Comércio tem a função de contar a história aos visitantes de como era determinada sociedade, quais eram os costumes, os hábitos e as máquinas que usavam”, destaca Buchmann, enfatizando a contribuição do Sistema S com a manutenção de prédios históricos e preservação cultural. “O Sistema S faz um trabalho muito interessante de restauração coletiva dos bens que estão em estado de degradação em centros urbanos. O poder público não tem condições para isso e o Sistema S tem essa capacidade e capilaridade. No Paraná, a Fecomércio é líder em movimentações assim”.

ACERVO

São mais de 600 itens que compõem o acervo, todos inventariados, que retratam diferentes modos de produzir e de viver de comerciantes e de comerciários paranaenses desde meados do século XIX, divididos em três coleções: Acervo Família Glaser, Acervo Darci Piana, Acervo Hermes Macedo e Acervo Geral.

Escritório com itens doados pela Família Glaser. O quadro é uma pintura
sobre tela retratando o fundador da loja o empresário Wenceslau Glaser


A Família Glaser, proprietária do estabelecimento comercial com o maior tempo de atividade ininterruptas no estado, cedeu em comodato 88 itens ao Museu do Comércio, entre eles, uma caixa registradora datada do início do século XX, de fabricação da The National Cash Register Company (NCR), além de um arquivo de madeira do século XIX, com 24 gavetas – que servia para o armazenamento de livros, pastas, documentos e fotografias – e de um Almanak-Laemmert, de 1919, com 2.500 páginas, com a relação de todas as empresas existentes no país naquele ano. Bianca Emanuelle Glaser Vidal Pinto, representante da família, expressou a alegria em fazer parte da história do comércio do Paraná e destacou a importância de contribuir com a cessão de peças para o museu. “Temos ciência que precisamos ter o nosso passado em mente para podermos escrever um futuro melhor. Hoje a Glaser está quase na quinta geração de gestores e é uma alegria poder, depois de 137 anos, continuar de portas abertas”, exclamou Bianca.

Máquina de Calcular Brunsviga - modelo 20, de fabricação alemã. Apenas 20 mil 
unidades foram fabricadas. Doação de Antenor Guimarães


Niroá Glaser, matriarca da família e autora dos livros Famílias do Velho Mundo no Comércio e História, Tradição & Trabalho, conta que em uma decisão conjunta foi optado por “pluralizar estes bens a um público maior. Dessa maneira, as crianças da rede pública e particular, bem como o público em geral, poderão observar como era feita a escrita da época, por meio de livro-caixa, diário, conta corrente, registro de funcionários, escritos à mão, máquinas de escrever, de calcular, autenticadora, registradora. Se hoje fazemos uso do computador, iPad, smartphones e outras tecnologias, devemos isso à primeira máquina de escrever”, enfatizou Niroá.

Caixa registradora de fabricação da The National Cash Register Company,
do início do século XX. 
Parte do Acervo Família Glaser

Cento e vinte e oito itens integram a Coleção Darci Piana, entre eles, uma geladeira Brastemp, modelo Conquistador, fabricada em 1957, que apresentava como novidade o aproveitamento do espaço lateral das portas. O item pertenceu aos sogros do doador.

Geladeira Brastemp, modelo Conquistador, fabricada em 1957

O Acervo Hermes Macedo - doado em 2012 ao Sistema Fecomércio, pelo ex-diretor da Divisão Técnica do grupo Hermes Macedo e arquiteto Eduardo Pereira Guimarães - é composto por troféus, maquinários, documentos, registros fotográficos da empresa que, em 65 anos de história, tornou-se um império, contabilizando 263 lojas nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O Grupo HM tornou-se uma das maiores potências comerciais do país, líder absoluto em vendas no setor de utilidades domésticas, autopeças, pneus e loja de departamentos, com um mix de produtos composto por mais de 150 mil itens.



Assim como Piana cedeu itens pessoais, o Acervo Geral é composto por 400 peças que mostram as mais variadas atividades comerciais, além de objetos com inestimável valor afetivo. O empresário Sérgio Spolador, da loja A Mascote, de Ivaiporã, também doou objetos, entre eles um saca-pregos – umantigo utensílio utilizado para retirar pregos das embalagens de madeira que foram, posteriormente, substituídas por papelão. 

INAUGURAÇÃO

Durante a cerimônia de inauguração, o presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR e vice-governador do Paraná, Darci Piana, destacou a importância da preservação da memória cultural e histórica do comércio, em um contexto em que muitos comerciantes e suas histórias estão se perdendo com o tempo. “O Sesc faz com maestria seu papel na cultura e aqui ele preserva a história daqueles que foram pioneiros, corajosos. Este museu vai servir exatamente para mostrar aquilo que tinha no passado, as dificuldades que passamos para continuar com os negócios em um mundo de transformações diárias”, enfatizou Piana.

Niroá Glaser e Darci Piana

O desembargador Edson Luiz Vidal Pinto salientou que as instituições que preservam a memória são fundamentais para a própria história. Para ele, o museu é parte da história, não apenas dos doadores, mas da trajetória de uma instituição, enfatizando que “as pessoas passam, mas a história permanece”. 

Mesmo em férias, o diretor regional do Sesc Paraná, Carlos Alberto de Sotti Lopes fez questão de estar presente na cerimônia. Ele detalhou as histórias por trás dos itens que doou ao museu, como uma capa de tropeiro, da década de 1920. Sotti lembrou que decidiu doar o item que estava intacto, jamais usada por seu falecido sogro e pontuou a importância do Sesc, não apenas na educação, na saúde e no esporte, mas na cultura e na preservação da memória. 

O diretor regional em exercício, Joil Cezar Baptistel, salientou a importância da inauguração ocorrer no dia do Comerciário, o público preferencial do Sesc PR. “Esperamos que essas doações que sirvam de exemplo para que nós possamos receber mais doações e enriquecer ainda mais esse museu”, afirmou.

EXPOSIÇÃO

Para marcar a inauguração do Museu do Comércio foram selecionados 50 itens, que incluem maquinários e objetos do cotidiano e refletem a rápida transformação dos modos de produção e da vida privada dos trabalhadores do comércio. “Temos aqui seleção de peças para fazermos uma reflexão da rápida transformação e da evolução de maquinários e de modos de produção ao longo desses anos e outro setor dedicado à vida privada desses trabalhadores, com vestimentas e objetos de uso cotidiano, como eletrodomésticos. Tivemos uma curadoria interna para esta exposição e a ideia é que ela seja alterada regularmente, com novas problematizações e discussões a partir dos objetos do acervo”, explicou a gerente de Cultura do Sesc PR, Mariah Fank.

ACERVO

O acervo de mais de 600 itens é relacionado aos modos de vida dos comerciários, utilizados na prática produtiva e também de objetos que retratam o produzir dos comerciantes paranaenses desde meados do século XIX até os dias atuais. 

Os visitantes do museu poderão conhecer a evolução de maquinários, como a Central Telefônica da coleção Hermes Macedo que necessitava de telefonistas e operadores para transferir manualmente as ligações, passando pelo aparelho telefônico de disco que foi gradualmente substituído pelo telefone de teclas, que vigorou por muito tempo, mesmo na telefonia móvel. 

ONDAS DE SCHUMPETER

Desde a Revolução Industrial, há pouco mais de 260 anos, as mudanças tecnológicas que ocorriam em ciclos de décadas, reduziram-se exponencialmente. O economista e cientista político austríaco Joseph Schumpeter – conhecido por seus conceitos sobre inovação, destruição criativa e ciclos econômicos – descreve que os negócios vivem ondas de inovação, que surgem e desaparecem. Para ele, a primeira leva inovadora teve início em 1785 e durou 60 anos, marcada por inovações na indústria têxtil e na energia hidráulica e no tratamento do aço. A segunda, com o uso do vapor, do aço e a expansão das estradas de ferro, foi reduzida para 55 anos. Com o advento da eletricidade, dos químicos e do motor de combustão interna, a terceira onda de inovação foi de 50 anos. Em 1950, com os petroquímicos, eletrônicos e a aviação a jato, o ciclo de inovação foi reduzido para 40 anos. A partir de 1990, a quinta onda de inovação vem ainda mais acelerada com o advento da tecnologia da informação, computador, internet e o ciclo, que antes estimava-se que demoraria 30 anos, sofre transformações diárias com a biotecnologia, inteligência artificial e tecnologias digitais, que impactam a economia e a sociedade. “O mundo e o comércio têm mudado muito nos últimos anos. Para uma mudança tecnológica ocorrer demoravam 50 anos, depois 30 anos, reduziu para 20 e depois 10 anos. Hoje elas são diárias e se não estivermos preparados, seremos atropelados por elas. O museu vai servir exatamente para mostrar aquilo que tínhamos no passado, as dificuldades que enfrentamos para continuar e as evoluções”, destacou Piana.

MUSEU FERROVIÁRIO

Em Ponta Grossa, o Museu Ferroviário Francisco Burzio funciona no prédio da Unidade Sesc Estação Saudade – construído em 1899 e que foi restaurado e reinaugurado em 2019 pelo Sistema Fecomércio Sesc Senac PR. 

O acervo do museu é composto por itens doados pela comunidade como fotografias, documentos e objetos que foram utilizados por trabalhadores na ferrovia e por materiais cedidos pela Casa da Memória de Ponta Grossa e pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária.

O nome do museu é uma homenagem ao médico responsável por levar melhorias nas condições clínicas da cidade e promover inovações na área médica, auxiliou na fundação de hospitais, atendeu graciosamente à população carente da região e colocou a cidade de Ponta Grossa no mapa da medicina brasileira, tornando-a uma referência. Além disso, atuou como médico de soldados durante a Primeira Guerra Mundial e foi recebido como herói que por uma multidão que aguardava seu retorno na estação. Recebeu o título de Cidadão de Ponta Grossa.

Sesc Estação Saudade, em Ponta Grossa


MUSEU DO CAFÉ

A memória cafeeira do Paraná está salvaguardada no Museu do Café – um moderno equipamento cultural e do patrimônio histórico – localizado no prédio ao lado da unidade Sesc Londrina Cadeião, antiga sede da 10ª Subdivisão Policial. Com uma área de 1.014,62m2, dividida em dois andares, a história de um dos mais importantes ciclos econômicos do Paraná remonta o auge da produção cafeeira, o declínio que foi resultado da geada de 1975, a diversificação, os novos modos de cultivo e as saídas encontradas pelos produtores de cafés especiais.

Para compor o acervo do museu dedicado à memória da cultura cafeeira, o Sesc PR conclamou a população londrinense e do Norte do Paraná que colaborasse com doações de fotografias, objetos, documentos e artefatos históricos que ajudassem a contar e preservar esta história. 

Museu do Café, em Londrina | Crédito imagem: Ivo Lima


VISITAÇÃO

A visitação ao Museu do Comércio é gratuita e poderá ser feita de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 13h e das 14h30 às 19h. Agendamentos de escolas e grupos devem ser realizados pelo e-mail relacionamento.esquina@sescpr.com.br ou pelo telefone (41)3259-1350.


Revista Fecomércio PR nº 162
Texto: Silvia Bocchese de Lima
Fotos: Bruno Tadashi e Ivo Lima


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