Em reverência a Poty
Curitiba presta inúmeras homenagens ao centenário de Napoleon Potyguara Lazzarotto, o Poty
A psicologia revela que o ser humano apresenta como uma necessidade fundamental a busca por traços de sua identidade. É o que pode justificar o fato da aproximação de algumas pessoas e o afastamento de outras. É encontrar em outrem características que lhe são comuns.
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Registro do primeiro mural público de Poty, localizado na Praça 19 de Dezembro, em Curitiba (reprodução do vídeo da Exposição Trilhos e Traços - Poty 100 anos) |
Curitiba talvez seja assim quando o assunto é Napoleon Potyguara Lazzarotto, carinhosa e artisticamente chamado de Poty. Com profunda singeleza, simplicidade do ser, mas de personalidade incisiva e com um traço marcante e inconfundível, retratou a capital paranaense e os curitibanos em seus pormenores, com um olhar sobretudo humano, atento, amoroso e repleto de admiração. Poty trouxe para seus desenhos e sua arte o que o poeta grego-otomano Konstantínos Kaváfis citou em versos:
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O último painel produzido por Poty foi para as Livrarias Curitiba, em 30/4/1998, intitulado Homenagem aos escritores e poetas (reprodução do vídeo da Exposição Trilhos e Traços - Poty 100 anos)
Pra ti, Poty
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No centenário do nascimento de Poty o que se vê pela cidade é a intensa identificação de Curitiba com um dos seus principais artistas. São quase uma dezena de exposições ao longo do ano, palestras, bate-papos, lançamentos de livros, murais, resgate de filmes e um senso de pertencimento coletivo – derrubando a tese de cidade fria, levantada pelo jornalista pernambucano Fernando Pessoa Ferreira, ainda na década de 1960. É a reciprocidade ao amor que o artista sentia por sua cidade natal. “Poty sempre dizia que amava essa cidade mais do que a qualquer outra”, revelou Fernando Bini, amigo do artista, em mesa-redonda, na Caixa Cultural, em abril.
Jaime Lerner, ex-governador do Paraná, em entrevista exibida em vídeo, na exposição Trilhos e Traços – Poty 100 anos, no Museu Oscar Niemeyer (MON), chegou a dizer que as cidades respiram seus artistas e, em uma comparação, demonstrou a grandiosidade do artista e a sua íntima relação com a capital. “Claro que a presença de gênios marcou a vida de muitas cidades importantes do mundo. Barcelona respira Gaudí. Curitiba é Poty”. Uma prova de como a arte e a arquitetura podem moldar a identidade de um local.
O historiador Ruy Wachowicz, em depoimento publicado no Caderno G, da Gazeta do Povo, de 9 de maio de 1998, declarou que Poty “foi um artista extremamente ligado às suas origens. Neste aspecto, lembrava João Turin. Nascido em Curitiba e morando muito tempo fora, regressou com ânsia de mostrar estes valores, mesmo estando já consagrado como um dos mais importantes ilustradores brasileiros. Penso que canalizou o paranismo para a dimensão da brasilidade”.
Poty de Curitiba
Maria José Justino, curadora da exposição em exibição pública no MON, pontuou que o artista é merecedor de todas as honrarias que lhe estão sendo prestadas e avalia Poty “como um gravador excepcional, dono de uma mão mágica. A riqueza dos sulcos e traços surgem em cenas do cotidiano, do sagrado, dos retratos e dos trabalhadores”, enfatizou Maria José ao comentar a exposição Poty de Curitiba, Curitiba de Poty – de curadoria do professor universitário, pesquisador, crítico de arte e pintor, Fernando Bini, em cartaz no Museu Municipal de Arte (MuMa). Em linha cronológica, a mostra reúne mais de 100 desenhos e gravuras de Poty, apresenta o desenvolvimento do traço do artista e revela as suas diversas fases de produção.
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Exposição Poty de Curitiba, Curitiba de Poty, no MuMa | Crédito imagem: Bruno Tadashi |
Para Maria José, Poty tem riqueza temática em sua obra e nas suas técnicas. “O que Poty tem de importante é a construção da imagem, por isso, nenhuma obra será igual a outra. Todo o trabalho que Poty desenvolve não tem perspectiva. Não tem sequência, não há linearidade nos desenhos dele e o público vai precisar descobrir, principalmente nos murais, as cenas, a história que ele conta de Curitiba, do Brasil. Qualquer história que ele conte, Poty vai montar de maneira não linear e sem perspectiva, sem trabalho de plano”, explicou o professor Bini.
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Mural em homenagem a Poty, produzido pelo grafiteiro muralista, Fernando Ferlin, o Gardpam, no Centro de Curitiba | Crédito Imagem: Ivo Lima |
Poty Expandido
Para celebrar os 20 anos da Caixa Cultural Curitiba e o centenário de nascimento do artista, o público pode acompanhar a exposição Poty Expandido –100 anos de Poty Lazzarotto, de curadoria da professora e artística plástica Juliane Fuganti, que apresenta obras com diferentes temáticas – todas ressaltando a qualidade gráfica do artista e sua paixão pelo preto e branco. “O desenho dele é maravilhoso, mas a gravura dele era excepcional, o domínio que ele tinha das técnicas naquele momento em que ninguém daqui conhecia. Temos a gravura em cima de técnicas extremamente elaboradas. Na comemoração dos 100 anos deste artista, autor de tantos murais espalhados pela cidade de Curitiba, expandir a gravura que ele tanto amava para a realidade virtual é uma forma de homenagear esse grande artista”, acredita Juliane. Maria José acrescenta que Fuganti “arriscou apresentar Poty pelas novas tecnologias interativas: as gravuras e murais de Poty mediadas pela holografia, vídeo, mapping interativo, experiência imersiva em óculos 3D e realidade aumentada. Uma espécie de desdobramento das imagens ou obras do Poty”. Nesta exposição o público poderá conferir um vídeo inédito, captado em 1992, no Museu da Gravura da Cidade de Curitiba, que mostra Poty realizando uma gravura em uma chapa de latão.
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Folder da exposição Poty Expandido - 100 anos de Poty Lazzarotto, na Caixa Cultural |
Trilhos e Traços
No maior museu de artes da América Latina, no MON, a exposição Trilhos e Traços – Poty 100 anos, assinada por Maria José Justino e Fabrício Vaz Nunes, apresenta 571 obras, entre desenhos, gravuras, vitrais, murais, entalhe e escultura em madeira. Maria José explica que a exposição foi organizada em nove núcleos: Narrador, Sagrado, Trabalho, Cotidiano, Viajantes, Xingu, Guerra, Retratos e Murais. “Em todos esses eixos parece o artista que saiu dos trilhos do pequeno bairro Capanema para se transformar em um artista universal, cidadão do mundo. Poty foi grande em tudo, nas linguagens e nas técnicas; é ímpar nos desenhos, gravuras e murais; na temática é um horizonte a perder de vista; mas creio que o maior gênero abordado pelo artista se volta ao trabalho. A paixão pelos trabalhadores é imanente, em especial aos ferroviários. São desenhos e gravuras que surpreendem o operário humilde na sua lide do dia a dia (...) a forma como apanha o trabalhador é singular: o jeito próprio do operário de lidar com a máquina ou o movimento para empurrar um caminhão, uma percepção verdadeira que entremeia realismo crítico a um expressionismo”.
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Registro da exposição Trilhos e Traços - Poty 100 anos, no MON |
Sempre Poty
Inspiração inesgotável de palestras, livros e teses, Poty foi tema do bate-papo Cem anos de Poty: Reflexões de sua vida e obra, com o escritor Ernani Buchmann, promovido em abril pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná. Para Buchmann, “Poty era dono de um traço extremamente econômico e muito moderno e que não mudou no decorrer de sua vida. Ele já era contemporâneo em 1945 e continua sendo até hoje, quase 80 anos depois”. O escritor ressalta que nas décadas de 1970 e 1980 trabalhou com Poty por duas vezes na publicidade, enfatizando a generosidade e a disponibilidade do artista.
Buchmann ainda contou que com Poty fez uma série de anúncios para a Volvo, publicada na Revista Veja. Na sede da OAB-PR há dois painéis produzidos por Poty, um trata-se da deusa da Justiça, Themis, e outro, reproduz um dos desenhos da série Xingu.
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Anúncios publicados ao longo de 1981, na Revista Veja | Acervo Ernani Buchmann |
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Painel criado para Master Comunicação | Acervo de Sérgio Mercer |
Poty
Curitibano até no nascimento, Poty nasceu no mesmo dia em que a capital celebrava seus 231 anos, em 29 de março de 1924 e cresceu no bairro Capanema, à margem dos trilhos da ferrovia. Filho de uma família de imigrantes italianos, teve uma infância humilde e entrou tardiamente na escola. “Embora tenha entrado na escola em idade avançada, havia sido alfabetizado pelo pai. O senhor Isaac era um erudito, uma pessoa com muita instrução, que incentivou, desde o início, Poty como artista. A aprendizagem com o pai é também técnica”, conta Maria José.
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Capa do Diário da Tarde, de 24/9/1938 | Acervo Digital da Hemeroteca Nacional |
Em 1938, o dono do jornal Diário da Tarde conhece Poty, então com 14 anos, no restaurante de seus pais, o Vagão do Armistício, e decide publicar, em seis capítulos, as aventuras de Haroldo - O Homem Relâmpago, quadrinhos criados pelo garoto. O jornal, de 24 de setembro de 1938, trouxe em manchete de capa: “Poti o garoto prodigio (...) Diário da Tarde vai trazer a publico a prova de que ha, dispersas pelas camadas populares, inumeras inteligencias muitas vezes fadadas a passarem na mais completa obscuridade. Manifestando-se em gente pobre, desprovida de recursos, raro topam oportunidade de uma revelação propicia ao seu aproveitamento. Estamos a vista de um desses casos impressionantes, de talento nativo, vigoroso e belo”. [grafia original]
Foi o interventor Manoel Ribas que reconheceu o talento de Poty e concedeu a ele uma bolsa de estudos no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Belas Artes. Lá, Poty também estudou no Liceu de Artes e Ofícios e recebeu instruções do mestre Carlos Oswald. Em 1943 fez a sua primeira exposição de gravuras no Salão do Diretório Acadêmico de Belas Artes no Rio de Janeiro e, no ano seguinte, começou a ilustrar contos e crônicas na Folha Carioca.
Poty foi um grande ilustrador. De 1946 a 1948, ilustrou a Revista Joaquim, editada por seu amigo Dalton Trevisan e para mais de 170 obras literárias de importante escritores como Jorge Amado, José de Alencar, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Machado de Assis, Gilberto Freire e Manoel de Barros.
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Edição nº 6 da Revista Joaquim, de novembro de 1946 | Acervo Digital da Hemeroteca da Biblioteca Nacional |
Como bolsista do governo francês, frequentou a École de Beaux Arts, em Paris, cursando Litografia e viajou pela França, Espanha e Itália. Quando retornou ao Brasil, criou a Escola Livre de Artes Plásticas em São Paulo e trabalhou nos Diários Associados e no Jornal Manhã. Consagrado como um dos pioneiros da gravura no Brasil, organizou o Curso de Gravura no Paraná, São Paulo, Bahia e Pernambuco, oportunidade em que pôde divulgar a aperfeiçoar esta técnica. Especializou-se em murais, vitrais, monumentos em concreto, em madeira, cobre, entre outros materiais. Em 1967, viajou ao Xingu, a convite do médico e indigenista Noel Nutels, onde permaneceu, ao lado dos irmãos Villas Boas, Darcy Ribeiro, e produziu mais de 280 trabalhos.
Uma característica comum de se ouvir entre quem conviveu com Poty ao descrevê-lo era sua generosidade. Maria José enfatizou que o irmão dele, João Lazzarotto, ao doar ao MON – um órgão público – 4.397 obras assinadas por Poty, entregou um verdadeiro tesouro, demonstrando o altruísmo que o artista tinha em vida, quando doou sua coleção de obras de arte – de valor artístico e mercadológico extraordinários –, com preciosidades de artistas como Picasso, Di Cavalcanti, Guignard, Pancetti, à Prefeitura de Curitiba, dando origem ao Museu Municipal de Artes (MuMa).
“Se o Paraná não produzir daqui pra frente nenhum artista mais, só com o Poty estará à frente de todas as outras províncias brasileiras”, frase de Darcy Ribeiro, em destaque na exposição Poty, Entre Dois Mundos, que esteve em cartaz no MON, em 2023.
Curiosidades sobre Poty
• Os quadrinhos foram a sua primeira forma de expressão artística;
• Ilustrou mais de 170 livros de autores brasileiros e estrangeiros;
• Existem mais de 90 painéis e murais de Poty espalhados
Exposições pela Cidade
• POTY DE CURITIBA, CURITIBA DE POTY
Curadoria: Fernando Bini
De 29 de março a 9 de dezembro de 2024
Horários: Terça a domingo: das 10h às 19h
Entrada gratuita
Endereço: Av. República Argentina, 3430
Terminal do Portão | Portão | Curitiba-PR
MUSEU OSCAR NIEMEYER (MON)
• TRILHOS E TRAÇOS - POTY 100 ANOS
Curadoria: Maria José Justino e Fabricio Vaz Nunes
De 11 de abril de 2024 a 25 de janeiro de 2025
Horários: Terça a domingo: 10h às 18h
Ingressos: R$ 30 inteira | R$ 15 meia-entrada
Entrada gratuita toda quarta-feira
Endereço: Rua Marechal Hermes, 999
Centro Cívico | Curitiba - PR
CAIXA CULTURAL
• POTY EXPANDIDO - 100 ANOS DE POTY LAZZAROTTO
Curadoria: Juliane Fuganti
De 16 de abril a 30 de junho de 2024
Horários: Terça a sábado: das 10h às 20h
Domingos e feriados: das 10h às 19h
Entrada gratuita
Endereço: Rua Conselheiro Laurindo, 280
Centro | Curitiba - PR
GALERIA KRIEGER
Curadoria: Robson Krieger e Simon Taylor
Entrada gratuita
Endereço: Sala Ricardo Krieger - Avenida Jaime Reis, 30
Arcadas de São Francisco | Curitiba - PR
SOLAR DA CULTURA
• POTY ILUSTRADOR DE DALTON TREVISAN
Curadoria: Fernando Bini
Pesquisa: Casa da Memória e Fundação Cultural
De: A partir de 11/06/2024
Horários: Terça a sexta: 9h às 12h e das 13h às 17h
Sábado e domingo: das 9h às 14h
Entrada gratuita
Endereço: Rua Claudino dos Santos, 142
São Francisco | Curitiba - PR
CASA ROMÁRIO MARTINS
• POTY NA REVISTA JOAQUIM
Curadoria: Fernando Bini
Pesquisa: Casa da Memória e Fundação Cultural
De: A partir de 11/06/2024
Horários: Terça a sexta: das 9h às 12h e 13h às 18h
Sábado e domingo: das 9h às 12h
Entrada gratuita
Endereço: Largo Coronel Enéas, 30 | Largo
da Ordem | São Francisco | Curitiba - PR
• Também estão previstas exposições sobre Poty no Solar do Rosário, na PUC-PR e na Antichità Galeria de Arte, ainda sem datas definidas.
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