Múltiplo Emiliano

 Obra completa de Emiliano Pernetta* é reunida em livro recém-lançado e revela as multifacetas do escritor

Ele foi Mínimo mas também foi Máximo de Tyro, prosador e poeta, elevado à realeza e chamado de medíocre, crítico do clero, abolicionista, republicano, influenciado pelo parnasianismo, um dos fundadores do simbolismo paranaense, enaltecedor do satanismo, místico e, convertido ao cristianismo no fim da vida. Considerado o principal escritor do Paraná das três primeiras décadas do século XX, Emiliano Pernetta foi múltiplo e tornou públicas suas diferentes formas de pensar e escrever. Ele teria vivido o que Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas disse ser o importante e o bonito do mundo: “as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou". 

PESQUISAS

Foram motivos distintos que instigaram o interesse dos professores Claudecir de Oliveira Rocha e Ivan Justen Santana pela obra de Emiliano. Rocha confessou que havia lido os principais autores simbolistas do Paraná e não tinha ficado impressionado, chegando a repetir “aquela opinião pejorativa de Dalton Trevisan sobre a nossa literatura, vendo-a como medíocre e insossa”, mas foi sua pesquisa sobre o escritor Rodrigo Junior para o doutoramento que despertou o interesse pela literatura paranaense. “Além do Rodrigo Junior conheci muitos autores interessantes e vi a influência e a importância de Emiliano para gerações de poetas. Com uma visão menos depreciativa e viciada, percebi muitas qualidades em Emiliano, um poeta sui generis, que não ficou preso a uma escola e dialogou com várias estéticas. Há uma beleza singular nos seus poemas, uma musicalidade incrível, uma imagética pouco alcançada por outros, além de ser o nosso principal poeta antes de Paulo Leminski, pelo menos o mais cultuado e conhecido”, revelou. 


Santana já havia dissertado no mestrado sobre a obra de Paulo Leminski e, em sua tese de doutoramento, foi a vez de discorrer sobre a vida e obra de Emiliano. “Eu estava pesquisando na internet e descobri um artigo extenso, depois saiu um livro bem interessante comentando a poesia de Emiliano Pernetta, de autoria de Domingos Van Erven. Ele não é um crítico profissional, mas fez um trabalho muito bom e, no texto publicado em seu blog, fazia uma ampla defesa de Emiliano de todas as argumentações de Dalton Trevisan”, contou Santana durante minicurso sobre Emiliano promovido em janeiro pela Biblioteca Pública do Paraná. Santana reuniu em sua tese os livros de poesia de Emiliano: Músicas (1888), Ilusão (1911), Pena de Talião (1914) e o póstumo Setembro (1934), 14 poemas esparsos, além de fazer a atualização ortográfica.

OBRA COMPLETA

Rocha conta que o trabalho de Santana foi o ponto de partida e a metade do caminho percorrido até chegar à Emiliano Perneta: Obra Completa. Além de acrescentar os livros em prosa: Alegoria (1903) O Inimigo (1899); os folhetos Floriano (1902) e Oração à Estátua do Marechal Floriano Peixoto, Rocha enfatizou que sabia que havia muita coisa dispersa não contemplada em edições anteriormente compiladas por outros organizadores. “Vasculhei jornais e revistas físicas e do acervo da Biblioteca Pública do Paraná e do Centro de Letras do Paraná e, principalmente, digitalizados do acervo da Hemeroteca Digital Brasileira. Claro que as dificuldades de pesquisa sempre são grandes, porque muito desse material está deteriorado ou desaparecido. Mesmo com a facilidade de pesquisa da Hemeroteca, nem sempre basta digitar o nome ‘Emiliano’ e encontrar tudo”, salientou. 

Com alguns textos já organizados, em 2021, Rocha propôs a publicação da obra completa via Programa de Apoio de Incentivo à Cultura da Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura de Curitiba. O projeto obteve o primeiro lugar, porém apenas em 2023 foi autorizada a sua execução. “Nesse meio tempo, continuei a pesquisa sobre Emiliano, adicionando mais textos à publicação”, destacou Rocha. 

A obra completa tem 640 páginas, entre poemas, textos em prosa e peças de teatro. “Com o objetivo de coletar o máximo de textos em prosa, principalmente contos, crônicas, crítica literária, textos políticos, cartas, além de 29 poemas inéditos; também acrescentei as duas peças de teatro de Emiliano: Vovozinha e Papilio Innocetia que não aparecem, nas edições anteriores da sua poesia. Sei que muita coisa ficou de fora, principalmente a oriunda de jornais e revistas que se perderam ou que não tive acesso, mas essa é uma edição histórica, a primeira que conseguiu reunir tudo o que foi possível até o momento”, avaliou Rocha.



ORIGEM

Nascido em Curitiba em 1866, Emiliano foi o primogênito de cinco filhos do casal Francisco David Antunes e Christina Maria dos Santos: Júlio, João, Evaristo e Manoel. O pai de Emiliano era, segundo Santana, um mascate português, de provável ascendência judaica e foi este o detalhe que o fez aceitar, sem pestanejar, o apelido de perneta – uma referência à sua maneira de caminhar. “O apelido acabou sendo bem-vindo a Francisco David, porque seu sobrenome Antunes vinha de uma família de cristãos-novos que havia sofrido perseguições por supostamente praticar o judaísmo. (...) Além de adotar o apelido e assumir o nome de David Pernetta, registrou seus filhos com essa combinação como sobrenome”, contou Santana em sua tese. 

Em 1883, Emiliano publicou seu primeiro poema intitulado 17 anos, no principal jornal do Paraná, o Dezenove de Dezembro. Dois anos depois, mudou-se para São Paulo para fazer o curso superior de Direito, na Faculdade do Largo de São Francisco. É neste período que fez amizade com Olavo Bilac, Júlio Ribeiro e Wenceslau de Queiroz. 

Orações da Estátua do Marechal Floriano Peixoto é um discurso de Emiliano Pernetta em homenagem ao marechal e mostrava a profunda admiração do escritor pelo presidente
Crédito imagem: Acervo do Museu Paranaense 


A cerimônia de formatura de Emiliano ocorreu no dia 15 de novembro de 1889. Escolhido para ser o orador da turma, seu discurso inflamado foi em defesa dos seus ideais republicanos. Santana relatou em sua tese que a notícia da Proclamação da República, ocorrida no mesmo dia, no Rio de Janeiro, ainda não havia chegado em terras paulistas.

RECLUSÃO

Emiliano também morou no interior de Minas Gerais, onde atuou como promotor de justiça, em Caldas Novas, e como juiz de direito, em Santo Antônio do Machado. Esse foi um período de isolamento e que influenciou a obra do autor. “Sua estadia em Minas Gerais foi um período um tanto obscuro na vida de Emiliano. Ele mesmo comenta numa crônica intitulada Outrora que não tinha compostura e gravidade para ser um ‘juiz de roça’ como os locais queriam que fosse. Era um estranho ali, comportava-se e se vestia diferentemente do que deveria, fazia coisas impróprias para um juiz, além de tudo, era um ‘poeta’ que frequentava bailes. Aquele bucolismo, aquele provincianismo, aquela natureza exuberante o sufocava de tal modo que não poderia ser um poeta como foi Alphonsus Guimarães, por exemplo”, salientou Rocha. 

DE PRÍNCIPE AO ESCÁRNIO DO VAMPIRO

Rocha acredita que Emiliano, debilitado, pediu exoneração do cargo e, depois de sair de Minas Gerais, retornou a Curitiba, participou intensamente da vida cultural da capital e, em terras paranaenses, permaneceu até 1921, ano de sua morte. 

Caixa guarda a coroa de louros que foi entregue a Emiliano Pernetta, em 1911
Crédito Imagem: Acervo do Museu Paranaense 


Em seu retorno à capital, Emiliano lançou, em 1911, o livro Ilusão, um marco para a literatura paranaense – teve uma tiragem de 400 exemplares, esgotada em apenas dois dias –, como avalia Santana: “Antonio Candido argumenta que para definir a formação de uma literatura é preciso ter autores, obras e público. Além de marcar a coroação de Emiliano como Príncipe dos Poetas do Paraná, Ilusão é o momento de constituição da literatura paranaense. Apesar de reduzidos, havia obras, público e autores”. Para Rocha, a coroação de Emiliano também foi uma resposta à de Olavo Bilac como Príncipe dos Poetas Brasileiros.


Artigo de Dalton Trevisan, publicado na 2ª edição da Revista Joaquim, em 1946
Crédito imagem: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Santana acredita que houve um hiato na literatura paranaense na década de 1930, com a morte de Emiliano em 1921 e, de Dario Veloso, em 1937. “A literatura paranaense entrou em uma espécie de hiato, porém havia produção. Em 1946 surge Dalton Trevisan, com 21 anos, com a Revista Joaquim e publica o artigo Emiliano Poeta Medíocre, posteriormente reproduzido sensacionalmente na Gazeta do Povo como Emiliano Poeta Perneta. O texto é um ataque violento à produção do Emiliano e teve como consequência dispensar as gerações que vieram de considerá-lo como um poeta”, pontuou Santana. 

O mencionado artigo de Trevisan, publicado na segunda edição de Joaquim, avalia que “Emiliano fez poesia como se fez poesia naquele tempo, afim de ser recitada nas sessões lítero-musicais dos colégios em festa no dia da árvore. E, precisamente, sua poesia, borrifada em água de flor, é uma POESIA DE DIA DE ÁRVORE. Versos bonitos, com sonoridade de sílabas de encher bochechas, mas por acaso poesia é mais do que isso? Se é, Emiliano não foi poeta”.

Busto de Emiliano Pernetta na Praça Osório, Centro de Curitiba. Uma homenagem por ocasião do centenário de nascimento do escritor, em 1966
Crédito imagem: Bruno Tadashi


OS MUITOS EMILIANOS

A pluralidade de Emiliano também pode ser encontrada na variedade de pseudônimos que utilizava para publicar seus textos. Rocha revela que identificou, pelo menos, oito deles e cada um carregava identidade linguística própria. Emiliano foi E.P.; Máximo de Tyro, Chicard, Timbyra, Hildebrando Souza, Mínimo, Paranaense e Victor Marinho. “O uso de pseudônimos era uma prática comum por autores e jornalistas na maioria dos periódicos no século XIX e XX por vários motivos: para publicar algo vergonhoso de assumir como seu, fugir da responsabilidade de autoria de algum texto polêmico; para diferenciar estilos de textos com pseudônimos diferentes; ou ainda preencher páginas de jornais que tinham poucos autores. O caso de Emiliano talvez se encaixe em vários desses motivos”, acredita Rocha. 

Escritor recebeu homenagens por todo o estado e é nome de ruas, praças, bosques e escolas
Crédito imagem: Bruno Tadashi

O Príncipe dos Poetas Paraenses permanece múltiplo no Paraná. Quem passeia pela Praça Osório, em Curitiba, pode se deparar com seu busto – uma homenagem prestada em setembro de 1966 –; no Passeio Público, a Ilha da Ilusão é uma referência ao seu livro Ilusão e ali há outro busto em sua homenagem. Emiliano também nomeia colégios, ruas, praças e seu trabalho tem sido redescoberto pelas atuais gerações de leitores.


Texto: Silvia Bocchese de Lima
Revista Fecomércio PR - nº 158


*Embora alguns estudiosos defendam a modernização da grafia e a escrita do sobrenome Pernetta com apenas um “t”, nesta matéria optou-se por manter a grafia com dois “tt” como na assinatura do autor e como seu sobrenome consta em documentos legais, como a Certidão de Óbito

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