Mensageiro do spray

 Com trabalhos em todos os estados brasileiros e em 24 países, Fernando Ferlin, o Gardpam, quer levar sua arte e mensagens ao mundo


Ao relatar episódios da ditadura uruguaia em O Livro dos Abraços, Eduardo Galeano revelou que a comunicação neste período era um delito, mas que “quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais.”

Quando se trata de se comunicar por meio da arte, o paranaense de Colombo, grafiteiro muralista, especializado em arte de rua e em desenhos personalizados, Fernando Ferlin – mais conhecido por Gardenal ou Gardpam, como assina seus trabalhos – não encontra fronteiras ou limites que o impeçam de expressá-la. Fora dos canais artísticos tradicionais, tem sido em paredes e espaços urbanos que Ferlin, há 11 anos, tem expressado a sua voz artística e como mensageiro, alcançado milhares de pessoas. “Com a minha mensagem entendo que consigo atingir um número grande de pessoas, e agradar tanto crianças quanto idosos, pessoas de esquerda e de direita. Tento ser neutro sem deixar de trazer o assunto em pauta. Gosto de saber que um desenho não é apenas um desenho, mas que ele seja valente, se transforme em algo como um marco, uma bandeira, algo que tenha valor”, pontuou. O artista que desde a infância apresentou talento para os desenhos, ressaltou que seu estilo de trabalho mescla realismo, cartoon, caricatura, lettering e que foi por meio dos estudos de anatomia humana, gestuais e de composição de cores que desenvolveu sua técnica.

Fernando Ferlin, o Gardpam | Crédito imagem: BrunoTadashi


POR TODA CURITIBA

Em Curitiba, quem passa pela região central da cidade é praticamente impossível não ter se deparado com alguma de suas obras, ou então pelas redes sociais, onde seus trabalhos são compartilhados incessantemente. Três deles ganharam notoriedade no último ano: os desenhos dos poetas paranaenses Leminski e Helena Kolody e do ativista político sul-africano Nelson Mandela. 

Paredão de 21 andares estampa o rosto de Paulo
Leminski | Crédito Imagem: Acervo pessoal


Foram necessários três anos de planejamento, execução e muitas justificativas, para que o rosto do Polaco ganhasse o paredão de 21 andares na Rua Presidente Faria – em frente à Estação Tubo Central – além do auxílio de quase mil pessoas, entre apoiadores e financiadores dos quase R$30 mil que a obra custou. Como pintar em larga escala é como “tatear no escuro”, como revelou Ferlin, são necessárias marcações, linhas, letras ou desenhos para guiar o artista quando ele está em frente ao paredão pintando. “Quando fiz Leminski usei qualquer tipo de linha e foi confundido como pixação. Fui denunciado e a obra ficou parada. Precisei provar que o que eu faria era arte e esta burocracia toda durou um ano”, contou. 

Arte por toda Curitiba | Crédito imagem: Ricardo Marajó

Em dezembro, o haikai Dom, de Helena Kolody, representado ao lado de sua face cheia de docilidade e o prédio icônico do Paço da Liberdade, ganharam o paredão de 50m x 12m, do Edifício Duca Lacerda, na Rua Riachuelo. “Retratar Helena, Poty e Leminski fazia parte de um projeto de mecenato que me inscrevi e não fui aprovado por décimos. Como eu tinha autorização dos prédios e muita força de vontade, consegui doação de tintas, fiz vaquinha online mas foi necessário colocar dinheiro próprio e, a arte da Kolody que era para ser mais complexa, puxando mais para o realismo, foi simplificada”, revelou o artista que usou 100 litros de tinta em todo o desenho. 

Apesar de já ter desenhado Poty, o artista revela que pretende retratar o muralista novamente e dar a ele uma homenagem à altura de sua obra, em uma parede de mais de mil metros quadrados. 

Helena Kolody representada ao lado do seu haikai Dom e do
icônico Paço da Liberdade | Crédito imagem: Ricardo Marajó

PRÓXIMOS VOOS

Ele foi o primeiro e, acredita ser o único, grafiteiro brasileiro a ter seus trabalhos em todos os estados do Brasil e já coleciona obras e registros em 24 países, como Bélgica, Marrocos, Eslovênia, Alemanha, França, Argentina e Uruguai e nos locais mais inusitados e desafiadores, como a fuselagem de uma aeronave. Como o céu é o limite, Ferlin revela que ainda pretende pintar um foguete e, quem sabe, um satélite, e deixar seus desenhos espalhados por todos os países do globo. Com os pés em terra ou suspenso, Gardpam segue pintando e em busca de novos mecenas para seus trabalhos.


Texto: Silvia Bocchese de Lima
Revista Fecomércio PR - nº 157


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