Casa Ipiranga

 

Registro da Casa Ipiranga feito pelo repórter fotográfico Arthur Wischral, em 1935, a pedido da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (RVPSC). A casa foi um posto eletrográfico da rede  |  Acervo do Governo do Paraná - Secretaria da Comunicação e da Cultura - Museu Paranaense


Residência de 132 anos, encravada à beira de ferrovia, na Serra do Mar, no Paraná, viveu tempos áureos. Hoje abandonada, alimenta os sonhos de quem quer vê-la revitalizada

Quantas histórias cabem em uma casa? O local onde está edificada, seu entorno, arquitetura, cômodos e habitantes ajudam a resgatar incontáveis histórias e estórias. Assim é com a Casa Ipiranga, residência construída no fim do século XIX, em plena Serra do Mar, margeando a Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba, no quilômetro 72.

A casa, chalé de estilo europeu, foi edificada pelo mesmo consórcio belga/francês, formado pelas empresas Compagnie Générale de Chemins de Fer Brésiliens e a Societé Anonyme de Travaux Dyle et Bacalan, responsável pela construção da ferrovia, e serviria de residência para o engenheiro responsável pela estrada.

 
Casa Ipiranga habitada   |  Crédito: Reprodução do Livro Casa Ipiranga, com autorização do autor

Construída em um terreno de 44,5 mil metros quadrados, era formada por uma casa principal de dois andares, equipada com diversos quartos, lareira, banheira, jardim de inverno e piscina, para proporcionar conforto aos seus habitantes e visitantes, além de contar com edícula, churrasqueira, sala de jogos e porão. Os alicerces foram feitos com trilhos e pedras do Rio Ipiranga.

A cerca de 200 metros de distância da residência foi construída, na década de 1940, uma miniusina hidrelétrica, movida pelas águas do Rio Ipiranga, responsável por alimentar a Casa Ipiranga e outros três imóveis onde moravam os turmeiros.

 

Casa Ipiranga Vandalizada  |  Crédito: Reprodução do Livro Casa Ipiranga, com autorização do autor


Casa Ipiranga Vandalizada  |  Crédito: Reprodução do Livro Casa Ipiranga, com autorização do autor

Casa Ipiranga Vandalizada  |  Crédito: Reprodução do Livro Casa Ipiranga, com autorização do autor

Onde os caminhos se encontram

Localizada na Serra da Baitaca, no município de Quatro Barras, entre as estações Banhado e Véu da Noiva, a Casa Ipiranga foi construída em 1889, muito próximo ao ponto de encontro da Estrada de Ferro com o Caminho de Itupava possivelmente a mais antiga trilha indígena do estado, com data provável de abertura entre 1625 e 1654, ligando Curitiba a Morretes e que foi a principal via de transporte entre o planalto e o litoral até 1873, quando do surgimento da Estada da Graciosa.

Ao fotografar o lugar, a pedido da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (RVPSC), em 1935, o fotógrafo Arthur Wischral salientou na legenda do seu álbum de fotografia que a Casa Ipiranga era um posto telefônico e estava localizada em um ponto “que bem evocava ao touriste uma paisagem da terra de Guilherme Tell”.A referência do fotógrafo é ao cantão de Uri, na Suíça, terra natal do lendário herói do século XIV.

 

Primeiros habitantes

No livro Casa Ipiranga: O palácio da Serra do Mar – 132 anos de história, de Rubens Roberto Habitzreuter, o autor revela que somente em 1893 é que se tem registro dos seus primeiros ocupantes. Acredita-se que o engenheiro alemão Bruno Rudolf Lange e sua família foram os primeiros a morar na casa e ali permaneceram por quase uma década, até 1902. “Relatos familiares contam que o caminho do engenheiro Lange na rede ferroviária começou quando ele participou de um concurso projetando a antiga Estação de Curitiba. Trocou o prêmio do concurso pelo emprego na estrada de ferro”, conta Habitzreuter no livro.

Livro lançado em 2021 resgatou a história da Casa Ipiranga  |  Crédito imagem: Bruno Tadashi

A obra ainda traz uma curiosidade sobre Lange. Ele era maçom e, em 1894, quando soube do atentado à vida do Barão do Serro Azul, ele e outros membros da confraria foram às escondidas até o quilômetro 65 da estrada de ferro, com o intuito de resgatar o corpo. “Depois desta operação de risco, Lange refugiou-se no mato nas proximidades da casa para evitar ser preso”, relata o livro.

 

Música, pintura e botânica

A história da Casa Ipiranga tem íntima relação com o Movimento Paranista, que no início do século XX teve o papel de construção da identidade regional do Paraná. Naquela residência, Frederico Godofredo Lange, conhecido como Lange de Morretes, passou os anos iniciais de sua infância e, incentivado pelo pai Bruno, estudou diferentes linguagens artísticas, mas ele se destacou como um expressivo pintor e cientista.

Miniusina alimentava a Casa Ipiranga e a Vila dos Turmeiros  |  Crédito: Reprodução do Livro Casa Ipiranga, com autorização do autor

Na Casa Ipiranga a família Lange hospedou o pintor norueguês Alfred Andersen, que ficou conhecido como o “pai da pintura paranaense”. Lange de Morretes foi aluno de Andersen, depois estudou artes gráficas em Leipzig, na Alemanha e no retorno ao Brasil, após a Primeira Guerra Mundial, criou um dos símbolos da capital paranaense, a rosácea de pinhão estampada nas calçadas de petit-pavé, no centro de Curitiba, e participou do movimento em prol da criação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná.

 

Uma das casas do turmeiros também abandonada  |  Crédito: Reprodução do Livro Casa Ipiranga, com autorização do autor

Do apogeu ao abandono

Habitzreuter, pontua que as ameaças efetivas à Casa Ipiranga tiveram início em 1992, após a implantação do Programa Nacional de Privatização do Governo Federal. A casa ficou fora do contrato de concessão e arrendamento para uma operadora de cargas. Em 2002 a residência foi arrematada pelo empresário Ari Pinto Portugal, porém “sem a garantia da parada do trem naquele ponto, era inviável a obra e o uso do local'', conta o autor.

Hoje a casa é de propriedade de Marcos Mendonça e de Luiz Napoleão Carias de Oliveira. O local foi depredado e vandalizado, o espaço também foi destruído por um incêndio.

Uma das casas do turmeiros também abandonada  |  Crédito: Reprodução do Livro Casa Ipiranga, com autorização do autor


Uma associação foi criada, a SOS Casa Ipiranga, com mais de 100 membros, visando recuperar e revitalizar o espaço para que outras tantas histórias sejam vividas e contadas.

Texto: Silvia Bocchese de Lima
Revista Fecomércio PR - nº 143



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