O legado Prosdocimo
As Lojas Prosdocimo foram referência no varejo paranaense, responsáveis
por ideias e práticas inovadoras, reproduzidas por mais de um século
Período entre as duas grandes guerras foi de restrição aos produtos importados e coube aos empresários locais saídas criativas. Anúncio publicado no Jornal Diário da Tarde, de 1918 |
Em voga no século XXI, o tema mobilidade urbana e alternativas de transporte – como aluguel e compartilhamento de patinetes e bicicletas por meio de aplicativos –, pode ser considerado centenário. Curitiba foi uma das primeiras cidades brasileiras a receber e a comercializar os velocípedes sobre duas rodas, tanto que contava, em 1895, com um clube de ciclistas formado por descendentes de alemães. Nas primeiras décadas do século passado, o tráfego das vias urbanas da capital paranaense era dividido entre bondes, cavalos, charretes e bicicletas. O consumo crescente desse último fez com que, em 13 de abril de 1913, João Prosdocimo firmasse sociedade com Waltemar Thomazech para a aquisição da Casa Indian, de propriedade e Pedro Laffitte, localizada a Rua Barão do Serro Azul, nº 3. Logo a sociedade permaneceu apenas em família, com o pai e os filhos Pedro e João Antônio, o Joanin. Em 1929, nascia a João Prosdocimo & Filhos – uma oficina de bicicletas, armas de fogo e de máquinas de costura, além da oficina mecânica, com capital de 30 contos de réis. Ali era comercializada uma variedade de bicicletas importadas, entre elas as Humber, Raley, Göricke, Dürkopp e as motocicletas Harley Davidson e as Indian. A loja também produzia itens com marca própria, as Bicycletas Prosdocimo.
Com a deflagração da 2ª Grande Guerra Mundial, as importações e o acesso a mercadorias
industrializadas em outros países foram interrompidos. Com a impossibilidade da compra de novas bicicletas, João Prosdocimo passou a alugá-las. “Quando ocorreu a segunda guerra, todas as importações foram proibidas. Uma importante jogada de marketing do meu avô João Prosdocimo foi deixar de vender as bicicletas e passar a alugá-las durante o conflito. Cabia ao meu pai Pedro e ao meu tio alugá-las durante o dia, lavá-las e deixá-las em ordem à noite, lubrificando cada uma”, conta Rogério Prosdocimo, neto do fundador da empresa e que foi diretor comercial das Lojas Prosdocimo.
Um dos fundadores da empresa, Pedro Prosdocimo |
Crescimento
A expansão da empresa teve início em 1928, com a instalação da primeira filial na catarinense Joinville. Terminada a 2ª Guerra Mundial, a empresa retomou a importação de peças, máquinas de costura e bicicletas produzidas em todo o mundo. De uma pequena oficina, a empresa tornou-se uma grande importadora. “A indústria brasileira era incipiente. Além das motocicletas e bicicletas, a empresa importava também rádios e aerodínamos wincharges – geradores eólicos de energia –, e diversos produtos que a indústria nacional não fabricava. Nada disso era produzido aqui”, conta Rogério Prosdocimo.
Moeda cunhada em comemoração aos 50 anos de fundação das Lojas Prosdocimo. Acervo digital do Museu Paranaense |
Em Curitiba, em 1934, a loja foi transferida para a Praça Tiradentes e ali permaneceu por décadas como a matriz das Lojas Prosdocimo, ocupando sete pavimentos, sendo cinco de lojas e dois andares para escritórios e administrativo. No ano de 1947, um ano após o falecimento do fundador da empresa, foi inaugurado o edifício João Prosdocimo, sede da organização, na esquina da Rua Cruz Machado com a do Rosário, no centro da capital. O espaço também abrigou a Delegacia Estadual do Senac, ainda na década de 1940.
Em 1963, ano que marcou o aniversário de 50 anos de fundação, a empresa contava com filiais também nas cidades de Blumenau e Maringá e capital de 450 milhões de cruzeiros. Os anos seguintes foram de crescimento exponencial da empresa, que chegou a contar, na década de 1980, com 27 lojas
no Paraná e em Santa Catarina, 49.915m2 de área construída, 17.744m2 de depósito, 1.800 colaboradores, além de um mix de produtos superior a 35 mil itens.
Rogério Prosdocimo iniciou na empresa criada por seu avô como estagiário, assistente, gerente e diretor de compras das Lojas Prosdocimo (Foto Ivo Lima) |
O jornal Gazeta do Povo, de 1983, ao publicar matéria sobre os 70 anos da empresa destacava o suprimento de mercadorias nos anos pós-guerra. “E como o país ainda não fabricava muitos dos produtos cada vez mais necessários, Prosdocimo passou a oferecer ao público o conforto e a utilidade. Os automóveis começaram a rodar com pneus estrangeiros. Os refrigeradores importados foram ocupando seu lugar nos lares da época. Bicicletas, máquinas de costura, rádios, automóveis, ferramentas elétricas, fogões, lavadoras, cristais, porcelanas, brinquedos e outros artigos do exterior foram fazendo parte da vida daqueles anos. E o nome Prosdocimo criou raízes na região Sul”, trazia o texto do jornal.
Com o desenvolvimento da indústria nacional, a empresa passou de importadora a distribuidora e revendedora de produtos e transformou-se em uma completa loja de departamentos. Por diversas vezes recebeu prêmios em reconhecimento pela liderança nas vendas de produtos no Paraná e Santa Catarina. Foi o maior revendedor de aparelhos de ar-condicionado Admiral Springer, dos produtos das marcas Walita, Monark, entre outras.
Refrigeradores
Nos anos finais da década de 1940, a família Prosdocimo teve a oportunidade de comprar uma fábrica
de refrigeradores que existia em Curitiba. Os irmãos Pedro e João Antônio dividiam o comando das empresas. Enquanto Pedro era presidente no comércio, João Antônio era na indústria. Ambos eram vice-presidentes de cada empresa. “Na época da compra da indústria era fabricada uma geladeira por dia. O crescimento do consumo, o aquecimento da indústria nacional, o acesso à energia elétrica fez com que a empresa crescesse e, em 1949, foi fundada a Refripar – Refrigeração Paraná”, destaca Rogério.
Em 1963, já eram fabricados mensalmente mil geladeiras elétricas e a marca Prosdocimo se tornou referência em todo o país. “Quando eles compraram a fábrica de geladeiras era algo totalmente novo e o tio João se jogou de corpo e alma para desenvolver a fábrica. A empresa cresceu muito, até que em determinada época, a família de Pedro ficou somente com o varejo e a de João, só com a indústria”, lembra. Foi o hobby de Pedro pela pescaria e o pedido para que o irmão colocasse uma geladeira na horizontal e a tornasse um grande congeladorpara armazenar os peixes, que em 1961 a Refripar lançou no mercadoo primeiro freezer horizontal no Brasil. Em 1996, a Refripar, segunda maior indústria de produtos da linha branca no Brasil, foi vendida ao grupo sueco Electrolux.
Cartão Cliente Especial das Lojas Prosdocimo, de Heitor de Andrade Filho, disponível no acervo digital do Museu Paranaense |
Inovações
Dois grandes grupos varejistas genuinamente paranaenses e concorrentes, Hermes Macedo e Prosdocimo foram empreendimentos criados no mesmo período e que trouxeram inovações ainda hoje reproduzidas pelo mercado. “O Grupo HM era muito maior, mas as Lojas Prosdocimo eram extremamente ágeis, ousadas e sempre foram muito arrojadas na parte de comunicação. Pedro Prosdocimo era uma pessoa empreendedora, de uma visão impressionante. Ele gostava tanto de trabalhar quanto de pescar. No escritório, atrás de sua mesa, havia um quadro com a seguinte frase: ‘Deus não desconta da vida do homem o tempo que ele passa pescando’. Ele era uma pessoa boníssima, agradável, bom de papo e excelente contador de histórias”, revela Adalberto Scherer Filho, que trabalhou na empresa de 1976 a 1986, no Cardex – um sistema de arquivo de fichas em armário e que possibilitava o controle e a organização do estoque –, e chegou a diretor de propaganda das Lojas Prosdocimo. Sempre buscando a diferenciação no mercado, o grupo foi responsável por instalar a primeira escada rolante do Paraná, em 1958, em Curitiba. A ideia era permitir um maior fluxo de pessoas e facilitar o deslocamento dos clientes dentro das lojas, destaca Rogério. Por conta da instalação da escada rolante na matriz da empresa, Pedro Prosdocimo recebeu a medalha de Pioneiro e o título de Comerciante do Ano de 1958, concedidos pela Rádio Cultura do Paraná.
O grupo também inovou ao ser a primeira empresa paranaense a introduzir em seu crediário o carnê,
facilitando aos clientes a aquisição de artigos e o pagamento em prestações mensais. Também eram serviços exclusivos da loja a compra e o parcelamento das prestações em três vezes sem juros. Em 1971, a empresa criou um escritório de compras em São Paulo que possibilitava a aquisição de produtos inovadores assim que ingressassem no mercado. Destinou, pela primeira vez, um andar da loja exclusivamente voltado para o público feminino e passou a facilitar o crédito aos clientes jovens,
sem limite de idade.
Onde já havia abrigado um depósito, uma imensa pista de autorama e um setor especializado em produtos de pesca foi implantado o Underground, no centro de Curitiba. Inspirado no metrô de Londres, o espaço foi criado para atender à demanda por produtos voltados ao público jovem, ofertando vestuário de marcas famosas em todo o mundo e equipamentos para a prática de esportes radicais. A empresa construiu na Cidade Industrial de Curitiba um Centro de Distribuição e Centralização dos Estoques (Cedis), reduzindo custos e otimizando recursos. O Cedis era informatizado, foi considerado na época um dos mais completos e com a melhor estrutura do país, além de agilizar a distribuição de mercadorias para toda a cadeia de lojas. Outra inovação foi a implantação do Cartão de Credito, que era distribuído gratuitamente entre clientes selecionados. “É um cartão de uso limitado, porque só tem valor nas lojas Prosdocimo. Mas, ao mesmo tempo, de uso ilimitado, já que o Prosdocimo tem quase tudo”, dizia comercial veiculado em 1977.
Adalberto Scherer Filho foi diretor de Propaganda das Lojas Prosdocimo (Foto: Bruno Tadashi) |
Desde 1950, a empresa também passou a realizar uma festa de Natal na cidade de Curitiba que se tornou tradicional e esperada por toda a comunidade. Todos os anos, buscava-se superar a edição anterior e, assim, avenidas da cidade eram fechadas pelo público para a chegada do Papai Noel e para o desfile de Natal.
Colaboradores
Trabalhar nas Lojas Prosdocimo era motivo de orgulho para muitos colaboradores e exibir a carteira assinada pelo grupo era um sinal de que o trabalhador havia conquistado uma excelente posição no mercado de trabalho. Adalberto lembra que a função de vendedor da loja era muito bem vista e com boa remuneração. Os familiares e os colaboradores da empresa tinham acesso à assistência médica e odontológica por meio de convênios com entidades médicas e, além disso, havia a Associação Prosdocimo e uma Colônia de Férias no Balneário de Guaratuba. Rogério conta que a diária na colônia correspondia a 1% do salário do colaborador e este benefício era estendido à família. Todos os anos, desde 1967, ocorria a Convenção Prosdocimo, um encontro com representantes e gerentes
de todas as filiais para discutir o Plano Geral de Expansão da Cadeia de Lojas Prosdocimo. “Durante dois dias, esses colaboradores reuniam-se para discutir o plano estratégico da empresa para o ano seguinte e para que todos os colaboradores tivessem o mesmo norte e falassem a mesma língua”, conta Adalberto.
O comercial de 1958 trazia com destaque a programação de Natal e fazia um convite aos clientes para que conhecessem a escada rolante recentemente inaugurada |
Comunicação
A publicidade das Lojas Prosdocimo esteve presente desde a sua fundação. A importância era tamanha que a empresa criou uma agência de publicidade própria, a Exclam, que comandava e criava toda a comunicação da empresa e foi considerada a maior agência do estado. Ela também prestava serviços externos, era responsável, por exemplo, pela conta nacional da Volvo.
No início da década de 1980 a Exclam foi vendida e a conta Prosdocimo foi assumida pela MPM Propaganda, a maior agência de publicidade do Brasil, que abriu um escritório em Curitiba para atender às Lojas Prosdocimo. O período conhecido como “Milagre Econômico”, de 1969 a 1973, foi marcado por um forte e excepcional crescimento econômico no país. As vendas do varejo e a publicidade acompanharam esta linha ascendente da economia. Em 1971, a empresa lançou uma intensa campanha de vendas, o “Novo Prosdocimo”, que trouxe ações inovadoras para a empresa, renovação total da frota para o mais rápido possível entregar as mercadorias, o layout e fachadas das lojas mudaram. “Tivemos uma campanha Novo Prosdocimo que marcou muito.
As vendas cresceram tanto que ficamos preocupados como seria a campanha de Natal do ano seguinte. Precisávamos expandir, e criamos na Rua Marechal Floriano Peixoto, o Prosdocimo Gigantão”, conta Rogério.
No início da década de 1980 a Exclam foi vendida e a conta Prosdocimo foi assumida pela MPM Propaganda, a maior agência de publicidade do Brasil, que abriu um escritório em Curitiba para atender às Lojas Prosdocimo. O período conhecido como “Milagre Econômico”, de 1969 a 1973, foi marcado por um forte e excepcional crescimento econômico no país. As vendas do varejo e a publicidade acompanharam esta linha ascendente da economia. Em 1971, a empresa lançou uma intensa campanha de vendas, o “Novo Prosdocimo”, que trouxe ações inovadoras para a empresa, renovação total da frota para o mais rápido possível entregar as mercadorias, o layout e fachadas das lojas mudaram. “Tivemos uma campanha Novo Prosdocimo que marcou muito.
As vendas cresceram tanto que ficamos preocupados como seria a campanha de Natal do ano seguinte. Precisávamos expandir, e criamos na Rua Marechal Floriano Peixoto, o Prosdocimo Gigantão”, conta Rogério.
Gigantão
Para atender a crescente demanda dos clientes, no início da década de 1970, decidiu-se que a loja localizada na Avenida Marechal Floriano Peixoto, até então com pouco movimento, seria a grande atração do grupo. Na época, a região não era de forte comércio e seria um desafio levar o público até lá. Para alcançar este objetivo, Rogério Prosdocimo comandou diversas ações. Em conversa com fornecedores chegou a uma solução novamente inovadora. “Nós tínhamos um contato muito próximo com nossos fornecedores. Nessa época fomos a São Paulo e nos reunimos com fornecedores. Dissemos que queríamos dobrar as vendas e que eles teriam que colaborar com isso. Eles iriam duplicar os nossos pedidos com condições melhores e colocar pessoas dentro da loja para vender os produtos porque nós não tínhamos capacidade de formar pessoas para fazer isso. Criamos stands de diferentes marcas e foi um sucesso”, revela o empresário.
Trazer o tradicional desfile de Natal que era realizado no centro da cidade até a loja o Gigantão, promover a exposição do carro de Emerson Fittipaldi utilizado na corrida que o tornou campeão mundial de Fórmula 1 e o show de um golfinho em plena loja foram outras ações arrojadas. “Em Santos [SP] havia shows com um golfinho e decidimos que traríamos a atração para Curitiba, embora muitos dissessem que era uma loucura. Encaixamos um tanque de 120 mil litros de água salgada dentro da loja Gigantão. Trouxemos o golfinho em um caminhão, com todo o cuidado necessário. Também trouxemos a adestradora. Diariamente eram feitos seis shows de acrobacias e as crianças amavam. Era uma atração disputada dentro da loja”, lembra o empresário que na época tinha menos de 30 anos e estava à frente do setor comercial da empresa.
Arapuã
A crise econômica que assolou o Brasil na década de 1980, a hiperinflação, descapitalização culminaram com a venda do Grupo Prosdocimo para a gigante Arapuã, um conglomerado de 276 lojas, de propriedade de Jorge Jacob. A coluna de Adherbal Fortes de Sá Jr, no Correio de Notícias, de 17 de julho de 1984, trazia a notícia da negociação. “Realmente não deve ser fácil para os Prosdocimo passar adiante uma empresa de 71 anos de existência, sólida tradição entre os paranaenses. (...) A rede sofreu com a inflação e descapitalizou-se. Começou a tomar dinheiro no mercado – não teve as mesmas facilidades dos gigantes do setor, o que significou maiores custos que
repassou aos compradores. Com isso, suas vendas não cresceram na mesma velocidade dos concorrentes maiores. Vendendo menos, deixou de obter melhores preços das indústrias, que dão descontos para grandes compras ou para quem oferece garantia de comprar durante longos períodos”, explica o artigo que conclui: “Em outras palavras: Prosdocimo, como muitas outras empresas, foi vítima do modelo concentrador de riqueza que vige no Brasil desde 1964”.
Texto: Silvia Bocchese de Lima
Fotos: Arquivo de família
Revista Fecomércio PR - nº 132
<iframe src="https://anchor.fm/todoparana/embed/episodes/Todo-Paran---Lojas-Prosdocimo-ehgnpv" height="102px" width="400px" frameborder="0" scrolling="no"></iframe>
Comentários
Postar um comentário