É desse país que sentem saudade?


Eu nasci nos anos 80, no Sul do Brasil e desde sempre fiz parte de uma família de classe média, cristã e sou filha de uma professora e de um eletricista. O orçamento era sempre apertado, nunca passamos necessidades e nos dávamos o direito a alguns luxos, como tomar Coca-Cola uma vez na semana, sempre aos domingos. Festas de aniversário com convidados eram a cada cinco anos, viagens de férias eram raras e antes de adquirimos algum produto era feita uma pesquisa de supermercado em supermercado, afinal, os preços mudavam diversas vezes ao dia. Para matar a minha curiosidade ia tirando etiqueta por etiqueta para ver quanto o produto custava antes. Essa era a hiperinflação que causava pavor a qualquer trabalhador.

Cinco pacotes de cinco quilos de arroz na dispensa de casa, ao lado de mais alguns de feijão, seis latas de azeite e de pêssegos em calda, algumas caixas de café, outros quilos de açúcar. Não, não era comida para um batalhão, era o medo de que o preço do alimento não estivesse o mesmo no dia seguinte e não coubesse mais no bolso.

Não entendia muito bem o que significada o congelamento dos preços e dos salários, mas sempre imaginei que a Cuca, aquela que cantavam e me assustavam para eu dormir, tinha um bigode e era presidente do Brasil.

Recessão, dívida externa, contracheque no vermelho, desemprego, desvalorização do dinheiro, corrupção, eram sempre palavras mencionadas nas conversas após o jantar, quando o primo barbudo e sindicalista aparecia em casa, vindo de Curitiba.

Visitar a amiga que tinha ido embora para São Paulo? De jeito nenhum, a solução era matar a saudade por cartas.

Também não fazia ideia o que significavam todas aquelas barracas em frente ao Núcleo de Educação, a paralisação das aulas na rede pública de ensino, mas acompanhava a minha mãe nas passeatas enquanto os professores pediam melhorias na educação e nos salários. Cantei muito: “Abra a porta ou a janela, venha ver quem é que eu sou. Sou aquele professor que o governo desprezou. Chora Gildona, Gildona chora, avisa o Alvaro que amanhã não vou pra escola”. É, este mesmo Alvaro que em 1988 mandou avançar uma tropa e seus cavalos contra professores na capital do estado e que agora foi eleito, pela quarta vez consecutiva, senador do país.

Cruzado, cruzeiro, cruzado novo, cruzado nem sei o que. Foram tantas as moedas e tantos planos econômicos que sinceramente eu me perdi e é necessário recorrer aos livros de história para saber quais foram.

Fusca, Belina I, Belina II, Corcel I, Corcel II, Fiat 147, Variant, Brasília e Opala. Esses eram os carros que dominavam as ruas das cidades e as marcas e modelos de veículos disponíveis no mercado não eram muito mais do que isso.

Depois vieram os dois Ls verde e amarelo, o caçador de marajás, a Casa da Dinda, o movimento cara-pintada, o impeachment e o topetudo.

Com o Fernando ­– aquele bom de discurso acadêmico, sociólogo de formação e que Palmério Dória chama de “Príncipe da Privataria” – conquistamos o título de segundo país em desemprego, privatizamos a Vale do Rio Doce, tivemos demissões em massa, tínhamos em 1995 um PIB três vezes menor do que o registrado em 2012. Os investimentos em educação federal superior eram tão ínfimos que a minha irmã precisava recolher os pedaços de giz que sobravam depois da aula para que o professor pudesse escrever no quadro verde do dia seguinte. Teve apagão, fome no nordeste, juros nos bancos a quase 80% ao ano, dívida gigantesca na previdência, compra de votos e presidente da república dizendo que quem se aposentava antes dos 50 anos era vagabundo, pra não me esquecer da dentadura, do frango, do iogurte e da estabilização da moeda.

Não me esqueço quando há cinco anos entrevistei um empresário, dono de uma indústria de panelas. Ele me relatava que fazia mais de 300 mil jogos de panelas de cinco peças ao mês. Para onde vão tantas panelas? Para famílias que nunca tiveram a oportunidade de ter esse item em casa e que com o crescimento da classe média e do poder de compra agora têm. Essa família mudou, inclusive os hábitos alimentares, trocando a farinha de mandioca pela carne, antes desconhecida do prato diário.

Como esquecer quando alguns trabalhadores de Palmas que moravam em barracos, tiveram acesso à casa própria e foi preciso ensiná-los sobre o uso do sabonete e que não se plantava árvore no vaso sanitário do banheiro, um cômodo que nunca tiveram acesso antes.

Disponibilidade de crédito, casa própria, carro na garagem, ensino superior concluído, universidade ou instituto federal próximo de casa, viagem de avião, passaporte carimbado e o brasileiro gastando o que nunca gastou no mercado interno e no exterior. Vi algo que nunca imaginei ser possível no país: corrupção sendo tratada como crime e corrupto ser denunciado e ir para a prisão.

Não concordo em todos os aspectos do governo PT, sei que os erros foram grandes também, mas ao colocar na balança, é impossível não optar pela continuidade. Sim. Eu tenho memória, sou guerreira e também sou valente e não sinto falta do governo PSDB. É desse país das décadas de 80 e 90 que já experimentamos e reprovamos que o brasileiro tem saudade? Hoje, tenho uma estrela no peito, sem medo e sem pudor! 


Silvia Bocchese de Lima

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